Tendências do dia

Se a pergunta é por que há tantos japoneses carregando guarda-chuvas nas ruas, a resposta é simples: por algo mais do que o sol

A imagem de ruas repletas de guarda-chuvas em dias de sol resume uma continuidade: um objeto prático que atua como símbolo

Imagem | cipher
Sem comentários Facebook Twitter Flipboard E-mail
fabricio-mainenti

Fabrício Mainenti

Redator

Que a cultura japonesa atrai o resto do mundo é um fato. O número de visitantes estrangeiros ao país aumenta ano após ano. A nação japonesa é interessante porque, em muitos casos, é o oposto da cultura ocidental. Tomemos como exemplo um cartão-postal que frequentemente surpreende os turistas que chegam: por que tantos japoneses carregam guarda-chuvas?

Uma dica: não serve apenas para proteção contra o sol.

Guarda-chuvas e espíritos

Sim, no Japão, guarda-chuvas e sombrinhas não são apenas proteção contra a chuva ou o sol; eles também podem ser yorishiro, objetos capazes de atrair ou hospedar divindades e espíritos.

Essa visão animista, descrita pelo Professor Emérito Tatsuo Danjyo, associa a forma circular do guarda-chuva à alma e sua alça ao pilar por onde descem as entidades, transformando o objeto cotidiano em um receptáculo espiritual com presença simbólica no ritual e na vida popular.

De um emblema de poder para o uso comum

Entre os séculos IX e XI, os guarda-chuvas surgiram no Japão não como um meio de proteção contra o clima, mas como um símbolo de autoridade religiosa e política: um longo sashikake-gasa, segurado por assistentes de elites e dignitários.

A partir do século XII, seu uso se espalhou para o povo comum, mas a dimensão espiritual permaneceu, de modo que o guarda-chuva coexistiu com sua função prática como sinal de proteção, status e conexão com o sagrado.

Festivais que curam

Hoje, essa dimensão sobrevive em celebrações onde o guarda-chuva atua como um veículo ritual. No Yasurai Matsuri de Kyoto, em abril, guarda-chuvas florais "extraem" doenças dos participantes, e no Hakata Dontaku de Fukuoka, todos os dias 3 e 4 de maio, os imponentes kasaboko concedem saúde e fortuna a qualquer um que passe por baixo deles.

E não apenas isso. Em Okinoshima (Kōchi), durante o Obon, de 13 a 16 de agosto, estruturas de guarda-chuva ricamente decoradas abrigam os espíritos dos recém-falecidos. Na noite do dia 16 de cada dois anos, eles são reconduzidos à vida após a morte por meio de uma dança processional.

O guarda-chuva que ganha vida

O imaginário japonês personificou essa relação no chamado kasa yōkai, o "espírito do guarda-chuva" que aparece em pinturas e pergaminhos como "A Noite do Desfile dos Miríades de Demônios", onde objetos velhos e descartados despertam e vagam.

Com seu olho único e feições travessas, o kasa yōkai incorpora a intuição animista de que utensílios usados, estimados e, por fim, abandonados podem reter uma centelha espiritual.

Uso diário

Embora os visitantes possam ver guarda-sóis para se proteger do sol ou guarda-chuvas para se proteger da chuva, no Japão, abrir uma wagasa tradicional pode ressoar com uma memória cultural que transcende o clima.

De fato, oficinas e museus permitem a exploração em primeira mão da história e do artesanato dessas peças, desde sua estrutura até sua decoração, conectando a prática diária a um legado que combina utilidade, estética e significado ritual.

Um gesto moderno com raízes

Assim, a imagem de ruas ladeadas por guarda-chuvas em dias ensolarados encapsula uma continuidade: um objeto prático que, embora permaneça prático, serve como símbolo de cuidado, saúde e boa sorte.

Lembrar essa dupla natureza (proteção física e veículo espiritual) explica por que, no Japão, um simples abrir e fechar pode, segundo a tradição, evocar algo mais do que sombra ou abrigo.

Imagem | cifra

Inicio