No Japão, todos os anos, milhares de pessoas desaparecem sem explicações. Porém, o desaparecimento não ocorre devido a um crime grave, como sequestro ou homicídio, mas por uma escolha da própria pessoa. Conhecido como johatsu, termo que significa “evaporados” em japonês, esse fenômeno envolve homens e mulheres que abandonam tudo, como emprego, família e identidade, em busca de um recomeço. A prática revela um lado oculto da sociedade japonesa, marcada pela pressão social, pelo peso da vergonha e pela dificuldade em lidar com fracassos.
Entenda o que é o fenômeno do johatsu e como ele funciona
Por mais estranho que pareça, no Japão, milhares de pessoas decidem abandonar suas vidas e “evaporar” no país. É exatamente essa a definição da palavra japonesa johatsu. O termo não se refere ao sequestro ou fuga de um crime, mas de um recomeço planejado pela pessoa, onde a identidade anterior é deixada totalmente para trás.
Para tornar isso possível, surgiram no Japão as yonige-ya, que são empresas especializadas em oferecer suporte à pessoas interessadas no johaysu. Os yonige-ya, que se traduz como "lojas de fachada", oferecem desde mudanças secretas, geralmente realizadas durante a noite, de forma rápida e discreta, até a criação de novos documentos, cartões de crédito e contratos de celular para evitar rastreamento.
Esse tipo de serviços atua bem próximo da fronteira da legalidade, mas são procurados por milhares de japoneses todos os anos. Para contratar um serviço como esse, de acordo com dados do Hopkins Training & Education Group, o valor varia de US$450 a US$2.600, o equivalente a R$2.700 e R$16 mil. Os valores podem variar de acordo com a idade dos contratantes, dos itens a serem levados e outras variáveis.
Livro de Jornalista francesa aborda o desaparecimento de milhares de japoneses
Não é só no Japão que essa prática chamou atenção: o fenômeno do johatsu ganhou repercussão internacional e já foi tema de documentários, filmes e até livros. Um dos mais conhecidos é o livro investigativo conduzido pela jornalista francesa Léna Mauger, nomeado “The Vanished: The “Evaporated People” of Japan”. De acordo com o livro, até 100 mil japoneses desaparecem a cada ano, abandonando empregos, casas e famílias para viver no anonimato. Muitos deles acabam indo parar em regiões marginalizadas, como Sanya, em Tóquio, um bairro historicamente associado a grupos esquecidos pela sociedade.
O livro, no entanto, dividiu opiniões, pois alguns especialistas consideram que a jornalista exagerou nos números e até romantizou sobre a realidade. Charles McJilton, fundador da organização humanitária Second Harvest, afirmou ao site Time que algumas descrições do bairro de Sanya feitas no livro eram “fantasia na melhor das hipóteses”. Apesar disso, a obra trouxe visibilidade no mundo todo para um tema raramente debatido no Japão, que é a existência de milhares de pessoas que escolhem desaparecer para escapar da vida que possuem.
Quais são os motivos por trás do desaparecimento?

Você provavelmente deve estar se perguntando: o que leva alguém abandonar tudo para se tornar uma “nova pessoa”? Bem, as razões para se tornar um johatsu são diversas, mas quase sempre estão ligadas a situações de grande pressão ou sofrimento. Dentre os principais motivos, há pessoas que querem fugir de dívidas impagáveis que, muitas vezes, são contraídas em casas de jogo conhecidas como pachinko.
Outro motivo que leva pessoas a desaparecerem no país é para escapar de relacionamentos abusivos ou separações traumáticas, especialmente devido à deficiência da polícia japonesa em solucionar casos envolvendo violência doméstica. O peso da cultura do trabalho, marcada por longas jornadas e pelo estigma de pedir demissão, também é outro fator que contribui para essa prática.
Apesar do Japão ter estimulado mais criatividade e expressão individual, o ambiente social e profissional continua marcado por rigidez e hierarquia. Essa combinação, somada ao isolamento, faz com que muitos japoneses se sintam sozinhos e sobrecarregados. Nessas condições, para alguns, desaparecer e recomeçar passa a ser visto como uma alternativa menos dolorosa do que enfrentar a vergonha, o suicídio ou a exaustão.
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