Tática mais recente da Rússia é mais próxima de um truque de mágica: quando a Ucrânia percebe, os russos já estão um passo a frente

Objetivo não é "vencer" ponto infiltrado, mas forçar inimigo a gastar munição, foco e massa, o que, em contexto de guerra longa, garante a vantagem

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PH Mota

Redator
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PH Mota

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Jornalista há 15 anos, teve uma infância analógica cada vez mais conquistada pelos charmes das novas tecnologias. Do videocassete ao streaming, do Windows 3.1 aos celulares cada vez menores.

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Em guerras, a surpresa é, provavelmente, a tática mais eficaz para desgastar as defesas inimigas. Na Ucrânia, já tínhamos visto de tudo, desde capacetes com antenas surpresas, a armadilhas na forma de drones, ilusões de ótica ou mesmo debaixo da terra. A última novidade: a Rússia encontrou uma forma de aparecer entre as forças ucranianas "do nada".

A Ucrânia descreveu uma mudança silenciosa, porém profunda, no padrão tático da Rússia: tudo começa com um burburinho e pequenas equipes de infiltração que, escondidas e guiadas por drones, se infiltram entre as linhas para semear o caos em vez de conquistar território visível. São microunidades de alguns homens camuflados, tratados, segundo as forças ucranianas, como material descartável, que rompem pontos descobertos de uma frente de 1,3 mil km impossíveis de selar continuamente com tropas exaustas e escassas.

A missão varia: capturar posições e mantê-las até envio de reforços, degradar a defesa revelando nós de drones ucranianos ou colocar minas diretamente dentro das posições. O que recentemente era contingente está agora se tornando a norma, especialmente em Donetsk, onde operadores ucranianos admitem que a pressão dessas incursões permite que Moscou se aprofunde por meio de acumulação e saturação.

Geometria da surpresa

O valor da infiltração não está tanto na área conquistada, mas no atrito que força Kiev a redistribuir forças para apagar incêndios simultâneos. Um policial contou ao Insider que, incapaz de cobrir alguns quilômetros de frente, teve que conter intrusões em quatorze pontos ao mesmo tempo.

É preciso entender que a orientação por drone permite ao comando russo reposicionar infiltrados, acumulá-los discretamente em um ponto e então ativar uma ação que força o desvio das tropas. Há até casos de infiltrados sem rifle, carregando apenas uma mina antitanque para detonar dentro de terreno ucraniano. Essa lógica torna a linha difusa e força Kiev a gastar atenção, coesão e reserva, erosão como resultado da multiplicação dessas microameaças.

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Custo humano assimétrico

Acontece que operadores ucranianos apontam que as perdas russas nessas ações são enormes, embora aparentemente irrelevantes para Moscou, que tem um fluxo de homens dispostos a morrer em ataques específicos. Alguns infiltrados deixam quilômetros para trás andando a pé, escondendo-se em árvores ou casas abandonadas.

Muitos morrem sob artilharia ou drones, mas a saturação é ‘nuclear’: "há centenas de russos prontos para morrer todos os dias", resumiu um operador. Ao responder com drones, a Ucrânia, por sua vez, expõe posições de lançamento que a Rússia localiza para contra-atacar, fechando um ciclo de detecção e fogo. Essa mesma família de táticas (infiltração, testes, ondas humanas) já foi documentada no leste do país e replicada até mesmo com tropas norte-coreanas em Kursk, também usada como massa de choque de baixo valor.

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Precedentes históricos

Todas essas infiltrações russas descritas pela Ucrânia lembram a lógica do Stosstruppen alemão de 1917-1918: evitar a frente forte, procurar as juntas, infiltrar-se em microgrupos com a missão de abrir brechas locais e forçar o inimigo a desorganizar sua defesa por meio da reação.

A diferença está no ecossistema de sensores. Antes, o sucesso dependia de fumaça, neblina e surpresa; hoje, a surpresa é bastante algorítmica e sistêmica, com drones que corrigem a trajetória humana em tempo real. Os ataques urbanos na primeira guerra chechena (pequenos grupos de choque móveis, com autonomia tática para perfurar nós) também ressoam no padrão atual: eles não buscam conquistar o mapa, mas colapsar a arquitetura de resposta do adversário forçando repetidas saturações locais até que o sistema seja quebrado.

A URSS já havia usado pequenas células para degradar defesas no Afeganistão: equipamento mínimo penetrando para caçar radares, comandos ou logística fraca antes do grande golpe. Na Síria (e depois no próprio Donbas entre 2014 e 2015) as "sondas de assalto" russas consistiam em sondas humanas de "baixo valor" para forçar o inimigo a revelar posições ou ninhos de drones.

O que vemos hoje em Donetsk é, mais ou menos, a evolução industrializada dessa mesma ideia sob a escassez de pessoal ucraniano e a saturação de sensores russos. Assim, o objetivo não é tanto "vencer" o ponto infiltrado, mas forçar o inimigo a gastar munição, foco e massa, o que, em um contexto de guerra longa, garante a vantagem a quem possui maior tolerância à atrição.

Micro-guerra invisível

Mais do que tecnológica, a inovação é comportamental: densidade e ritmo das micro-incursões, invisíveis até o último momento com a chegada do zumbido do drone que indica que a tática foi ativada, geram uma mudança gradual de pressão que não se mede em quilômetros ganhos, mas sim na capacidade do adversário de absorver tensão e ansiedade sem desabar.

Assim, sob condições de uma guerra prolongada e falta de pessoal, cada rachadura é explorável e, sob vigilância contínua, o custo de reagir revela as posições do inimigo. É uma guerra de pequenas feridas que nunca se fecham, onde cada infiltração não busca resolver a frente, mas reabri-la indefinidamente.

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