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O Japão achava que havia chegado ao fundo do poço em sua crise de natalidade; não sabia o quanto estava errado

Os últimos dados do governo mostram que em apenas um ano o país perdeu mais de 900.000 habitantes.

Taxa de natalidade japonesa cai cada vez mais e chega a níveis inéditos. | Imagem: JJ Ying (Unsplash)
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Igor Gomes

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Igor Gomes

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Subeditor do Xataka Brasil. Jornalista há 15 anos, já trabalhou em jornais diários, revistas semanais e podcasts. Quando criança, desmontava os brinquedos para tentar entender como eles funcionavam e nunca conseguia montar de volta.

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Japão tentou a sorte oferecendo dinheiro e até bancando a cupido, mas a queda da taxa de natalidade se mostra um problema aparentemente intransponível. O país passou de um inverno demográfico para um colapso total. Essa é pelo menos a interpretação dada pelos dados mais recentes do governo, que revelam que em apenas um ano (de janeiro de 2024 a janeiro de 2025), a população japonesa encolheu em mais de 900.000 pessoas, a maior queda desde pelo menos 1968.

Há apenas um indicador positivo: a imigração.

Um fato: 908.574 

Já faz algum tempo que falar sobre a taxa de natalidade no Japão significa falar em declínio, previsões pessimistas e um futuro repleto de incertezas. Não é novidade, mas isso não impede que o desastre demográfico continue surpreendendo quando o governo publica dados oficiais, como aconteceu nesta quinta-feira (7/8). E com razão. Segundo dados do Ministério do Interior, o país perderá nada menos que 908.574 habitantes em 2024, deixando a população japonesa em 120,65 milhões. Muito, muito longe dos 126,6 milhões alcançados em 2009.

Mais do que um golpe 

O número é ruim por si só e não melhora quando contextualizado. Como aponta a Kyodo News, este é o 16º ano consecutivo em que o censo populacional japonês cai, uma tendência que não mostra sinais de arrefecimento. Pelo contrário. O censo de 2024 foi o maior colapso demográfico da série estatística, que remonta a 1968. É preciso voltar à mesma década para encontrar um número de nascimentos menor do que o do ano passado: 687.689. Por outro lado, o número de mortes (quase 1,6 milhão) atingiu um recorde histórico.

Em porcentagem: 59%

A demografia não é apenas uma questão de teoria estatística; ela está diretamente ligada à economia de um país. E isso é algo que os dados do governo deixam bem claro: após anos de declínio populacional e com a taxa de natalidade estagnada, o Japão descobriu que apenas 59% de sua população está em idade ativa (entre 15 e 64 anos), significativamente abaixo da média mundial, que gira em torno de 65%, segundo as estimativas mais recentes da OCDE.

Com uma população nativa em idade produtiva em declínio e uma sociedade em rápido envelhecimento, as perspectivas para o país são, no mínimo, desafiadoras. De fato, alguns alertam que uma "linha vermelha" está sendo cruzada. Alguns autores apontam que 2025 marcará o ponto em que a população nascida durante o Baby Boom do final da década de 1940 ultrapassará os 75 anos, idade em que a porcentagem da população ativa despenca e o número daqueles que necessitam de cuidados aumenta. Esse ponto de inflexão tem até um nome: o "problema de 2025".

E o que isso significa?

Na prática, é bem provável que o Japão enfrente agora "um aumento repentino" no número de idosos que precisam de cuidados, o que se traduzirá em "uma carga significativamente maior para a força de trabalho", alerta um relatório do IPEI. Quanto ao que isso significará para os cofres públicos, o governo calculou anos atrás que, entre 2025 e 2040, os custos totais com assistência social dispararão 60%.

Como resolver isso?

A grande questão. O Japão vem implementando uma série de medidas há anos para incentivar a natalidade e reverter sua crise demográfica. Isso inclui dedicar milhões de recursos a programas pró-natalidade e assistência à criação de filhos, além de incentivar a licença-paternidade e facilitar a busca de parceiros pelos jovens. Isso não é novidade nem exclusivo do Japão. Os governos da Coreia do Sul, China e Rússia lançaram campanhas semelhantes com resultados mistos.

No fundo, porém, reside uma questão fundamental, como a BBC apontou em 2023: aumentar a taxa de natalidade de um país é uma questão de dinheiro? Os "cheques-bebê" ou a licença-paternidade funcionam? Até que ponto esses fatores influenciam isso e quanto depende de fatores mais estruturais, como a dificuldade de acesso a moradias grandes, a filosofia de trabalho, as desigualdades de gênero, o custo de vida ou simplesmente uma mudança cultural que não prioriza mais a maternidade?

Uma palavra: imigração

Nem todos os indicadores demográficos do Japão estão no vermelho. Aliás, um deles atingiu níveis recordes no ano passado: o número de residentes estrangeiros, pessoas de outros países com permissão para permanecer no Japão por pelo menos três meses. Segundo dados do governo, esse número cresceu 10,65% (354.089 pessoas), chegando a 3,68 milhões. O número de residentes registrados nunca foi tão alto.

Na prática, isso significa que os estrangeiros agora representam quase 3% da população total, outro número nunca antes alcançado. O Japan Times relata que 661.800 pessoas se mudaram do exterior em 2024, demonstrando que o declínio observado durante a pandemia, particularmente em 2021 e 2022, foi superado. Se forem considerados tanto os cidadãos japoneses quanto a população estrangeira, o número total de residentes no país chega a 124,3 milhões, aproximadamente 554.000 a menos que no ano anterior.

Por que é importante?

Porque o afluxo de estrangeiros serviu mais do que apenas para amenizar a perda demográfica do país. Também impulsionou sua economia. 85,77% dos residentes estrangeiros estão em idade produtiva, uma porcentagem significativa para um país com problemas de natalidade e que vem envelhecendo há anos. O aumento da imigração também traz consigo certos desafios. Sua ascensão coincide com a ascensão do partido de extrema direita Sanseito, que tem feito campanha com o slogan "Japoneses Primeiro".

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