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Japão está vivenciando algo sem precedentes em seus bairros mais emblemáticos: a invasão chinesa de animes e de games

O que começou em bairros e “novas Chinatowns” agora invadiu a própria cultura japonesa

Não são só as pessoas: a cultura chinesa agora está em toda parte no Japão / Imagem: IQRemix
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Victor Bianchin

Redator

Victor Bianchin é jornalista.

O ano de 2025 está confirmando algo que já se intuía no anterior. Entre as pessoas que chegam ao Japão para ficar, a China está na dianteira. Primeiro vieram os migrantes com intenção de não retornar ao país de origem; depois, o fenômeno foi se espalhando por regiões onde a proliferação de “novas Chinatowns” deu origem a bairros com mais chineses que japoneses. Agora, estão substituindo um dos bastiões nacionais: a cultura pop.

Quem relatou isso foi o Nikkei há alguns dias. Alguns dos bairros mais emblemáticos do Japão contemporâneo estão passando por uma transformação silenciosa, porém radical, impulsionada pela crescente influência comercial, visual e demográfica da China. Lugares como Akihabara, em Tóquio, Ameyoko, em Ueno, e Dotonbori, em Osaka — considerados durante décadas símbolos da identidade popular nipônica — estão adotando uma estética e uma dinâmica cada vez mais próximas do estilo chinês.

Transformação

Em Akihabara, centro nevrálgico do universo otaku, a iconografia habitual de personagens kawaii continua dominando a paisagem, mas muitos desses personagens já não vêm mais de estúdios japoneses. Empresas como a Yostar Games, com sede em Xangai, tomaram o controle de espaços estratégicos como a entrada principal da estação de trem, exibindo campanhas estreladas por seus personagens com estética anime.

A isso se soma a presença constante de títulos como Genshin Impact, criado pela miHoYo, que também ocupa outdoors em posições de destaque. Essas empresas não apenas reproduzem com precisão as fórmulas narrativas e visuais japonesas, como também contratam profissionais nipônicos e dubladores locais para garantir uma fidelidade estética quase absoluta. Boa parte do talento criativo japonês migrou para esses estúdios devido às melhores condições salariais, o que gerou preocupação na indústria nacional — os veteranos do desenvolvimento de videogames chegam a falar abertamente sobre uma perda de competitividade.

Akihabara (Tóquio) Akihabara (Tóquio)

A transformação não se limita à cultura digital. Em Tóquio, o histórico mercado de Ameyoko — conhecido pela venda de peixes e produtos usados nas celebrações de Ano-Novo — passou por uma substituição quase total do seu tecido comercial. Segundo estimativas dos próprios comerciantes locais, aproximadamente 80% dos negócios estão agora nas mãos de cidadãos chineses.

Comida chinesa

Restaurantes, lojas de ingredientes importados e supermercados voltados ao consumo de visitantes chineses substituíram os antigos estabelecimentos tradicionais. Em Osaka, Dotonbori tornou-se o destino turístico mais frequentado por cidadãos chineses em todo o Japão, superando até mesmo zonas históricas de Tóquio, como Ginza ou Asakusa.

Com uma afluência de mais de 13.000 visitantes chineses por dia, a região modificou sua oferta visual, linguística e gastronômica para se adaptar aos seus novos usuários. Placas em mandarim, cardápios com pratos originários de Dalian e comércios administrados por cidadãos chineses tornaram-se parte integrante da paisagem urbana. No bairro vizinho de Shimanouchi, o crescimento da população chinesa gerou um ecossistema comercial próprio, com supermercados, farmácias, restaurantes e acomodações turísticas geridos quase integralmente por migrantes.

Crescimento em áreas periféricas

No distrito de Nishinari, tradicionalmente associado à pobreza urbana e ao envelhecimento populacional, o fenômeno ganhou uma dimensão diferente. Ali, relatava o Nikkei, o empresário chinês Lin Chuanlong reativou uma área economicamente decadente ao abrir mais de 170 bares do tipo karaokê, operados por mulheres chinesas conhecidas como “mamas”. Esses locais, com preços acessíveis e estética festiva, devolveram a vida noturna a um bairro antes silencioso.

Apelidado agora de Karaoke Pub Town, o bairro tornou-se uma nova referência de entretenimento noturno acessível em Osaka. Lin, que chegou de Fujian há mais de trinta anos, também fundou uma imobiliária e planeja construir na região um bairro chinês que, segundo suas próprias palavras, seja mais atraente do que os de Yokohama ou Kobe. Embora alguns moradores locais admitam estar confusos com a rapidez da mudança, outros reconhecem que a transformação revitalizou espaços condenados ao abandono.

Um cobertor sobre o Japão

Por trás disso, uma ideia que já se percebia semanas atrás. Esse processo não responde a uma invasão nem a uma substituição abrupta, mas a uma reconfiguração gradual na qual o investimento chinês, seu poder de atração comercial e sua capacidade de adaptação parecem estar reformulando as formas, as funções e os sentidos do urbano em muitas partes do Japão.

Nessas áreas, o que é “nipônico” já não se define pelo seu origem nacional, ou pelo menos não totalmente, mas sim pela capacidade de sobreviver, conviver ou se integrar em uma nova estética regional asiática, onde a distinção entre o que é próprio e o que é estranho tornou-se difusa. A transformação em curso não afeta apenas fachadas, placas ou idiomas, mas a própria memória do que esses lugares significavam.

Imagem | IQRemix, jpellgen (@1105)

Este texto foi traduzido/adaptado do site Xataka Espanha.

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