O Japão está ficando sem crianças, então os cachorros estão assumindo seu lugar nos rituais

Durante séculos, o Shichi-Go-San foi um ritual para crianças, mas… o que acontece quando elas se tornam escassas?

Ritual Shichi-Go-San com pets / Imagem: Rosewoman (Flickr), Japanexperterna (Flickr), Radim Jaksik (Unsplash)
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Victor Bianchin

Redator
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Victor Bianchin é jornalista.

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Há algumas semanas, Miki Toguchi, uma japonesa de 51 anos, foi a um templo de Tóquio para que o pequeno Kotora participasse do Shichi-Go-San, um antigo ritual xintoísta durante o qual se agradece pelas crianças completarem mais um ano de vida e se pede por sua proteção. A cerimônia costuma ser protagonizada por jovens de sete, cinco e três anos, motivo pelo qual muitas vezes é chamada de “7-5-3”. Kotora já completou cinco primaveras, daí o empenho de Toguchi em garantir que ele fosse abençoado.

O curioso é que Kotora não é um menino. Ele é um schnauzer miniatura que, ao chegar ao santuário de Tóquio para o ritual “7-5-3”, encontrou outros poodles, pomerânias, chihuahuas, bichons… Juntos, eles representam melhor do que qualquer estatística a queda demográfica do Japão.

Um ritual “7-5-3” diferente

A história de Kotora (e outras semelhantes) acaba de ser contada pelo The New York Times em uma reportagem que revela como, no santuário Ichigaya Kamegaoka (Tóquio), os cães estão aos poucos substituindo os humanos no Shichi-Go-San, uma cerimônia pensada para crianças.

As origens do ritual remontam ao período Heian (794–1185 d.C.), uma época com alta taxa de mortalidade infantil, o que explica por que os aristocratas do país celebravam o fato de seus filhos chegarem às três, cinco e sete primaveras. Os pais iam aos santuários com os pequenos, demonstravam gratidão e rezavam para que sua descendência desfrutasse de vidas longas, prósperas e saudáveis.

Ritual

O “7-5-3” manteve seu espírito ao longo de gerações, mas, à medida que o Japão foi ficando sem bebês, santuários como o de Ichigaya Kamegaoka tiveram de se reinventar. O país talvez tenha cada vez menos crianças, mas seus lares vêm se enchendo de cães e gatos; assim, dezenas de templos espalhados pelo Japão optaram por adaptar o ritual aos animais.

A ideia é a mesma: os pequenos são abençoados, agradece-se por suas vidas e pede-se proteção… embora, neste caso, os “pequenos” não sejam crianças, mas poodles, pomerânias, chihuahuas, bichons e akitas (entre muitas outras raças), cães que frequentemente se apresentam diante dos sacerdotes usando quimonos e amuletos. Como referência, o NYT lembra que o templo de Tóquio recebe, a cada outono, cerca de 50 crianças contra 350 animais.

Santuários obsoletos

Kenji Kaji é sacerdote no templo Ichigaya Kamegaoka e explica que precisou reformular algumas orações para adaptá-las aos animais de estimação. Talvez não seja uma prática ortodoxa, mas ele próprio reconhece que existe um cenário menos atraente: “O pior seria que tanto o xintoísmo quanto os santuários se tornassem obsoletos”. Assim, ele reza para que as famílias e seus peludos tenham vidas “felizes”. Pela cerimônia, são cobrados 5.000 ienes (R$ 173).

Em casos como o de Kotora, os templos encontraram duas soluções: uma nova fonte de renda e uma forma de aproximar os jovens da tradição. “As pessoas passaram de ter filhos para ter animais de estimação”, confessa Toguchi. Ela não tem filhos, mas quer que seu pet participe do “7-5-3”. Não é um caso isolado.

Em 2023, a Reuters já falava de um antigo templo situado a 35 km de Tóquio, o santuário Zama, que contava com uma área de oração especial pensada para animais de estimação e para que suas famílias participassem do Shichi-Go-San. Na época, Natsumi Aoki, uma mulher de 33 anos que havia abençoado seus lulus-da-pomerânia, lamentava que não houvesse santuários suficientes no Japão que aceitassem animais de estimação. Hoje, o New York Times afirma que já existem no país “dezenas” de santuários dispostos a rezar por cães.

Muito mais do que uma cerimônia

O fato de o “7-5-3” estar se abrindo aos animais de estimação e de haver templos em que já se realizam mais rituais para cães do que para crianças é mais do que uma simples anedota. É um sintoma das mudanças sociais que o Japão enfrenta, mergulhado em uma profunda crise populacional da qual não consegue sair.

Em 2024, o país registrou 686.061 nascimentos, um dado nefasto por duas grandes razões. A primeira é que marca um novo mínimo histórico. Nunca, desde o início dos registros, em 1899, o Japão havia recebido tão poucos bebês. A segunda é que esse ritmo de nascimentos ficou muito abaixo do número de óbitos.

No ano passado, morreram no Japão cerca de 1,6 milhão de pessoas, de modo que, para cada bebê nascido, foram registrados dois falecimentos. O resultado é um saldo vegetativo negativo que custou ao país a maior perda populacional desde pelo menos o fim dos anos 1960, quando começaram os registros.

Durante a pandemia, o país viu aumentar o número de gatos e cães nos lares, embora, no início de 2024, a Associação de Alimentos para Animais de Estimação do Japão tenha detectado que esse crescimento estava desacelerando. Isso não impede que os animais de companhia tenham se tornado um negócio bilionário, com previsão de crescimento.

Imagens | Rosewoman (Flickr), Japanexperterna (Flickr), Radim Jaksik (Unsplash)

Este texto foi traduzido/adaptado do site Xataka Espanha.


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