Enquanto metade do planeta sonha em se aposentar, no Japão acontece o contrário: há idosos de 100 anos que só querem trabalhar

Em um país onde os idosos já superam de longe os jovens, esses casos oferecem algo a se pensar

Centenários trabalhando no Japão / Imagem: RawPixel
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Victor Bianchin

Redator
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Victor Bianchin

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Victor Bianchin é jornalista.

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Ao longo de 2025, o Japão vem revelando situações que denunciam a gravidade do envelhecimento de sua população. De fato, a necessidade de muitos idosos de continuar trabalhando após a aposentadoria transformou o “aluguel” de avós em um novo símbolo dos tempos. O mesmo ocorre com muitas profissões que correm o risco de desaparecer por falta de mão de obra jovem.

Mas também há outro lado: o de chegar aos 100 anos e comemorar isso com trabalho.

Foi o que contou o New York Times no fim de semana. O Japão, país com a população centenária mais numerosa do mundo, vive um verdadeiro paradoxo demográfico: enquanto sua taxa de natalidade despenca e a proporção de jovens diminui, uma geração de idosos extraordinariamente longeva desafia a aposentadoria.

Mais de 100 mil pessoas já ultrapassaram os cem anos e, entre elas, há um fio condutor que vai além da genética ou da dieta: o trabalho como razão de ser. Em um país onde o senso de dever e a disciplina permeiam a vida cotidiana, esses centenários não veem a velhice como um retiro, mas como a continuação natural de uma existência útil. Sua longevidade, dizem, nasce do equilíbrio entre corpo ativo, mente ocupada e um propósito que não se apaga.

O mecânico que não fecha

Um dos casos mais emblemáticos tem 103 anos. Seiichi Ishii continua consertando bicicletas no mesmo bairro de Tóquio onde começou como aprendiz ainda criança. Sua figura curvada sob um macacão azul comprido demais resume uma ética: a do artesão que não se mede pela idade, mas pela necessidade de continuar fazendo.

O homem conserta parafusos com as mãos trêmulas, prepara seu próprio missô, canta no karaokê e se desloca de triciclo até seu bar favorito, mas, acima de tudo, se recusa a abandonar o ofício que dá sentido aos seus dias. Sua oficina é seu mundo e, como diz com serenidade, “se eu morrer aqui, morrerei feliz”. Em um Japão tecnificado, Ishii representa a persistência da relação íntima entre o trabalho manual e a dignidade pessoal.

A cozinheira

O Times também traz a história de Fuku Amakawa, de 102 anos, que está há seis décadas à frente do restaurante da família, onde mistura macarrão, caldo e cebolinha com a naturalidade de quem não perdeu o ritmo da vida laboral. O calor do vapor manteve sua pele lisa e seu espírito firme. Ela continua trabalhando cinco ou seis dias por semana, convencida de que seu corpo se mantém forte graças à rotina do esforço.

Seu restaurante, aberto com o marido e mantido hoje pelos filhos, se tornou um templo doméstico de perseverança. Quando uma dor muscular a assustou, ela pensou que fosse o coração. O médico explicou que era apenas consequência de levantar panelas pesadas. Para ela, continuar na cozinha não é resistência: é gratidão por poder fazê-lo.

Cultivando memória

Masafumi Matsuo, de 101 anos, cultiva arroz, berinjelas e pepinos nas montanhas de Ōita. Trabalha sob o Sol com pausas medidas, sentado em um banquinho de plástico, e leva oferendas de arroz à pequena capela onde homenageia a esposa falecida.

Sobrevivente de câncer e de covid, ele se apega à terra como forma de continuidade: lavrar o campo é manter o vínculo com seu passado, com sua família e com o ciclo natural que lhe ensinou a resistir. Brinca com o bisneto, observa os pulos dos gafanhotos de sua mesa aquecida e encontra no cotidiano a serenidade de quem aprendeu que trabalhar é, literalmente, continuar respirando.

Vendendo beleza

Aos 102 anos, Tomoko Horino continua vendendo cosméticos, como faz desde os 39, quando decidiu desafiar as convenções sociais que proibiam mulheres casadas de trabalhar. Com três filhos e um marido relutante, Horino transformou sua intuição estética em sustento e orgulho.

Hoje, viúva e sozinha, faz suas vendas por telefone, costura, alimenta o gato do bairro e continua sentindo a mesma emoção ao ouvir uma cliente recuperar a autoestima. Em sua história se entrelaçam a transformação da mulher japonesa e a permanência do trabalho como afirmação pessoal: cada conversa, cada tom de batom vendido é um ato de continuidade vital.

A narradora

Tomeyo Ono, com 101 anos, senta-se sobre uma almofada e recita relatos tradicionais (minwa) com uma energia que desmente sua idade. Começou a contar histórias aos setenta, em uma sociedade onde as meninas de seu tempo não sonhavam em ter voz pública.

Desde que o tsunami de 2011 destruiu sua casa em Fukushima, seus relatos misturam as velhas lendas às lembranças do desastre, convencida de que narrar é preservar a memória dos que se foram. Come natto com pão, escreve seu diário, ri, chora e diz que só sonha com os mortos. Sua missão, afirma, é continuar falando até poder se reunir com eles.

O exemplo desses cinco retratos condensa uma visão do Japão que sobrevive para além de sua crise demográfica: a de uma sociedade em que o trabalho não é apenas um meio de subsistência, mas uma afirmação moral e uma continuidade emocional. Em todos eles, a atividade mantém a saúde, protege da solidão e dá propósito. Nenhum idealiza a fadiga, mas todos a aceitam como companheira.

Diante do estereótipo da aposentadoria dourada, esses centenários encarnam uma forma diferente de plenitude: a do gesto repetido que sustenta a identidade. Em um país onde os idosos já superam em muito os jovens, seu exemplo não é uma curiosidade, mas sim uma resposta: continuar trabalhando, no Japão, é continuar sendo.

Imagem | RawPixel

Este texto foi traduzido/adaptado do site Xataka Espanha.


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