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Já sabemos qual é o truque da Rússia para multiplicar seus drones: eles vêm da China disfarçados de “unidades de refrigeração”

A proliferação de motores camuflados e empresas fictícias demonstra que, no campo de batalha, a influência tecnológica da China é muito difícil de ignorar

Rússia teria criado sistema para burlar sanções / Imagem: Ministério do Interior da Ucrânia, Serviço de Guarda de Fronteiras do Estado da Ucrânia
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Victor Bianchin

Redator
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Victor Bianchin é jornalista.

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Se a pergunta é até onde vai a ajuda de Pequim a Moscou no contexto da guerra na Ucrânia, a resposta é bastante ampla. Já sabíamos, por documentos obtidos pela Bloomberg, que a produção de drones russos estava sendo beneficiada pelo uso de empresas intermediárias, com a China como principal ator envolvido. Agora sabemos mais: a engenharia do engano para driblar as sanções.

A informação foi divulgada com exclusividade pela Reuters. Ao que tudo indica, a Rússia conseguiu manter e ampliar a produção de seus drones kamikaze Garpiya-A1, apesar das sanções impostas pelo Ocidente, graças a um sofisticado esquema de importação disfarçada que envolve empresas chinesas.

Documentos aduaneiros, contratos internos e faturas analisadas pelo veículo revelam que os motores L550E, fabricados pela empresa chinesa Xiamen Limbach Aviation Engine Co., continuam chegando à estatal russa IEMZ Kupol, agora por meio de uma empresa de fachada chamada Beijing Xichao International Technology and Trade. Para evitar a detecção, os motores são identificados como “unidades de refrigeração industrial” nos documentos de transporte, o que permite o envio de Pequim até Moscou (e de lá para Izhevsk, sede da fábrica Kupol) sem alertar as autoridades aduaneiras chinesas e sem infringir formalmente a legislação exportadora do país.

Um documento interno da Kupol confirma que a empresa assinou um contrato com o Ministério da Defesa russo para fabricar mais de 6.000 unidades do Garpiya em 2025, triplicando a produção do ano anterior. Até abril, já haviam sido entregues mais de 1.500 unidades. Esses drones, de longo alcance e alta precisão, são regularmente usados para atacar infraestruturas civis e militares no interior do território ucraniano.

De acordo com a inteligência de Kiev, a Rússia está utilizando cerca de 500 Garpiya por mês. Tecnologicamente baseado no Shahed iraniano, o modelo russo se tornou uma ferramenta fundamental no esforço bélico do Kremlin, agora potencializado por componentes chineses que incluem não apenas o motor, mas também sistemas de navegação e controle.

Rede de empresas de fachada

O trajeto dos motores rumo à Rússia é cuidadosamente disfarçado. Após o envio inicial da China, a Reuters relata que os motores são recebidos por uma empresa de fachada russa chamada SMP-138, pertencente a Abram Goldman, que os reenvia para outra companhia russa, a LIBSS, responsável final por abastecer a Kupol.

Um contrato entre a LIBSS e a Kupol, revisado pela agência de notícias, estabelece especificamente que os produtos deveriam ser identificados como esses “equipamentos de refrigeração” para evitar suspeitas. As companhias aéreas comerciais chinesas Sichuan Airlines e China Southern Airlines têm sido usadas para transportar essas peças críticas para a Rússia desde outubro de 2023, apesar das sanções em vigor. Nenhuma dessas companhias aéreas nem as empresas envolvidas responderam às perguntas da Reuters.

O Ministério das Relações Exteriores da China, em resposta ao veículo, negou conhecimento desses envios e reiterou que o país aplica controles rigorosos às exportações de bens de uso dual, além de se opor a sanções unilaterais não aprovadas pela ONU. No entanto, a realidade do fluxo contínuo de tecnologia militar para a Rússia coloca essa narrativa em dúvida.

A empresa Xiamen Limbach foi sancionada em outubro de 2023, após um relatório anterior da Reuters que já identificava seu papel na fabricação dos Garpiya, o que levou novos intermediários como a Xichao a assumir a responsabilidade. Apesar dessas medidas, nem a Xiamen nem a Xichao deram explicações, deixando um rastro de responsabilidade bastante diluído entre camadas de empresas de fachada, documentos opacos e rotas comerciais legalmente ambíguas.

Alertas diplomáticas

Além disso, a revelação ocorre em um momento de crescente tensão diplomática entre a União Europeia e a China. A presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, se reunirá com Xi Jinping e Li Qiang em uma cúpula marcada pelas suspeitas de apoio chinês à máquina militar russa. A diplomacia europeia, liderada por Kaja Kallas, advertiu Pequim de que permitir esse tipo de comércio coloca em risco a segurança do continente.

A China, por sua vez, insiste que não exportou armas letais e que, se a Rússia utiliza seus produtos civis para fins militares, o mesmo poderia ser dito da Ucrânia. No entanto, segundo três altos funcionários de segurança europeus, o caso do Garpiya demonstra que o fornecimento chinês não é acidental nem marginal, mas parte de uma rede funcional que sustenta ativamente o esforço militar do Kremlin.

Especialistas como Meia Nouwens, do International Institute for Strategic Studies, apontam que o interesse prioritário da China é manter os Estados Unidos focados na Ucrânia, evitando assim um confronto direto no Indo-Pacífico. A estratégia implícita seria prolongar o conflito europeu para ganhar margem de manobra na Ásia.

Para Bruxelas, entretanto, a prioridade imediata é cortar o fluxo de componentes críticos. Embora a UE não exija que a China rompa relações econômicas com a Rússia, insiste que fortaleça seus controles aduaneiros e financeiros para evitar a passagem de produtos sensíveis.

Por enquanto, a proliferação de motores camuflados e empresas fictícias demonstra que, no campo de batalha ucraniano, a influência tecnológica da China é cada vez mais difícil de ignorar.

Imagem | Ministério do Interior da Ucrânia, Serviço de Guarda de Fronteiras do Estado da Ucrânia

Este texto foi traduzido/adaptado do site Xataka Espanha.

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