O boicote da Europa aos EUA é real e está sendo sentido em um de seus setores mais rentáveis: o turismo

A afluência de europeus aos EUA caiu 17% em março em comparação com o mesmo mês de 2024

Viagens turísticas para os EUA caem em todo o mundo e Trump é o culpado / Imagem: Jean-Baptiste Fournier (Flickr)
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Victor Bianchin

Redator

Victor Bianchin é jornalista.

David Pereira tem 53 anos, reside na França e, assim como outros milhares de europeus, foi criado sob a influência da cultura dos EUA. As músicas que ouvia, as séries que assistia quando criança, os filmes que passavam no cinema de sua cidade e os carros com os quais sonhava dirigir: tudo 'made in USA'. Foi por isso que, quando Pereira teve dinheiro suficiente, decidiu fazer as malas e conhecer o país pessoalmente. E fez isso com consciência. Esteve lá quase uma dúzia de vezes. Há dois anos, até percorreu os parques nacionais da Costa Oeste.

Sua ideia era voltar neste verão com a família para Yellowstone. Mas, após dois meses de administração Trump, Pereira mudou de planos. Há alguns dias, ele reconheceu à CNN que decidiu, com consciência, cancelar a viagem. Seu caso se conecta com uma tendência que começa a ser percebida na potente indústria turística dos EUA.

Um percentual: 17%

Que a mudança de sintonia entre os EUA e a Europa está afetando o turismo norte-americano não é novidade. Já faz semanas que o setor emite sinais nesse sentido. E de ambos os lados do Atlântico. Na Europa, há agências que confirmam uma perda de interesse pelos EUA. E, do outro lado do oceano, há organismos que começam a falar em uma desaceleração na demanda.

A pista mais clara do que está ocorrendo, especialmente no fluxo de turistas Europa-EUA, foi dada, no entanto, pelo Financial Times (FT) há alguns dias, em um artigo com um título que deixa pouco espaço para interpretações: "Os turistas europeus cancelam suas viagens aos EUA devido às políticas de Trump".

Segundo dados da Administração de Comércio Internacional (ITA, na sigla em inglês), o número de visitantes provenientes da Europa Ocidental que passaram pelo menos uma noite nos EUA durante o mês de março despencou 17% em relação a 2024. É um dado considerável, especialmente quando se leva em conta a relevância da indústria turística como motor econômico, que representa cerca de 2,5% do PIB do país.

Trump está no comando da Casa Branca há menos de três meses, então ainda falta perspectiva, mas, nas últimas semanas, começaram a ser publicadas cifras e testemunhos que sugerem que algo está mudando no turismo nos EUA. E não para melhor. O FT elaborou gráficos que mostram que o fluxo de viajantes com destino aos EUA caiu de países como Áustria, Reino Unido, Suíça, Alemanha, Noruega e Espanha, com quedas que em alguns casos superam os 20%. Também se nota uma desaceleração nos voos de diferentes regiões.

Queda nas reservas

De acordo com a ITA, houve uma queda de 12% no número de visitantes estrangeiros que viajaram para os EUA em março, em comparação ao mesmo mês de 2024. E isso sem contar as chegadas dos países vizinhos, Canadá e México, dois mercados que também não parecem olhar com tanto entusiasmo para os destinos turísticos norte-americanos. Para encontrar um março mais ruim, é preciso voltar a 2021, quando o setor ainda sofria as consequências da pandemia.

Provavelmente, esse percentual foi influenciado pelo fato de que, no ano passado, a Semana Santa caiu em março e, em 2025, foi em abril, mas o setor reconhece que há uma tendência que vai muito além disso. "Está claro que algo está acontecendo... e é uma reação a Trump", reconheceu o Tourism Economics.

No início de abril, o grupo hoteleiro francês Accor SA, que administra várias marcas e acomodações de destaque nos EUA, confessou à Bloomberg TV que as reservas europeias para visitar os EUA caíram 25%. Simplesmente, os turistas parecem optar por Canadá, América do Sul ou Egito. Na Espanha, a Confederação de Agências de Viagens (CEAV) também reconheceu recentemente que percebe uma perda de atratividade dos EUA para os turistas.

Com esses dados como pano de fundo, o Tourism Economics revisou para baixo suas previsões para este ano no setor dos EUA. Se em fevereiro a expectativa era uma queda de cerca de 5%, esse percentual piorou, já atingindo aproximadamente 9,4%. A francesa Voyageurs du Monde também admitiu à CNN que, desde a posse de Trump, as reservas para os EUA caíram 20%.

Mas... por quê?

"Provavelmente seja ansiedade por entrar em um território desconhecido", afirmou o diretor executivo da Accor ao falar sobre a tendência com a Bloomberg. O fato é que a mudança de tendência no setor coincide com um contexto geopolítico complexo: o distanciamento entre Washington e Bruxelas após o retorno de Trump à Casa Branca, a escalada na guerra comercial, os tambores de recessão, o discurso sobre o rearme europeu e, na opinião de Paul English, cofundador do Kayak, uma mudança na imagem reputacional dos EUA.

Nos últimos meses, vários países europeus atualizaram suas recomendações para os viajantes que se deslocam para os EUA ou expressaram preocupação com as mudanças nas políticas migratórias e de controle de fronteiras, incluindo as diretrizes que afetam pessoas trans. A Dinamarca emitiu um alerta e, na Espanha, o Ministério das Relações Exteriores atualizou suas diretrizes. O atrativo dos EUA também é impactado pelas notícias sobre detenções nas fronteiras.

Além da Europa

O fenômeno vai além da Europa. A China emitiu alertas sobre o "deterioramento das relações econômicas e comerciais" com os EUA e avisou seus cidadãos: "Avaliem completamente os riscos de ir aos EUA e viajem com cautela". No Canadá, o escritório de estatísticas registrou em fevereiro uma queda de 23% nas viagens de carro com destino aos EUA. No tráfego aéreo, a queda foi um pouco menor, mas, ainda assim, chegou a 13%.

Imagens | Jean-Baptiste Fournier (Flickr)

Este texto foi traduzido/adaptado do site Xataka Espanha.

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