Tendências do dia

O arroz atingiu produção recorde em quase a mesma área cultivada; isso se tornou um problema para os agricultores

  • FAO prevê produção recorde de 541 milhões de toneladas em 2025/26.

  • Japão, a exceção: calor extremo e seca impulsionaram os preços internos.

Supersafra de arroz derrubou o preço pago aos agricultores da Tailândia | Imagem: Pexels
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Igor Gomes

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Igor Gomes

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Subeditor do Xataka Brasil. Jornalista há 15 anos, já trabalhou em jornais diários, revistas semanais e podcasts. Quando criança, desmontava os brinquedos para tentar entender como eles funcionavam e nunca conseguia montar de volta.

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Durante meses, o mundo temeu uma repetição da crise alimentar de 2007-08, quando os preços do arroz ultrapassaram US$ 1.000 a tonelada e provocaram protestos do Haiti a Bangladesh. No início de 2024, o arroz tailandês a 5% — a referência na Ásia — estava em torno de US$ 650 a tonelada, a maior alta em dez anos, impulsionado pelo El Niño, pelo protecionismo e pelas compras por pânico. E, no entanto, em agosto deste ano, aconteceu o oposto: o preço internacional caiu para mínimas históricas, impulsionado por colheitas históricas e produtividade em constante crescimento. É a vitória silenciosa da produtividade: mais arroz com quase a mesma quantidade de terra.

Os preços internacionais estão em queda livre

Nos últimos meses, os preços do arroz despencaram. De acordo com o Financial Times, o arroz branco tailandês 5% quebrado está sendo negociado a US$ 372,50 a tonelada, seu menor nível em oito anos, após uma queda de 26% desde o final do ano passado. A Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) confirma a tendência: seu Índice Global de Preços do Arroz (FARPI) caiu 13% até agora neste ano e, em julho, caiu mais 1,8% mensalmente, ficando 22% abaixo do ano anterior.

Oferta abundante, demanda ausente

Em um extenso relatório do Financial Times, eles apontaram que, do lado da oferta, a Índia – o maior exportador – suspendeu as restrições às vendas externas em setembro do ano passado, entrando no mercado com uma safra recorde em 2023/24 e estoques públicos que atingiram 60 milhões de toneladas em maio, até 15 milhões a mais que a média dos últimos anos. Parte desses excedentes foi até mesmo destinada ao etanol para liberar espaço antes da nova safra. Além disso, boas safras na Tailândia e no Vietnã foram adicionadas, o que elevou a produção global a um nível recorde.

Do lado da demanda, a Indonésia antecipou as compras no ano passado e retirou-se do mercado, enquanto as Filipinas proibiram as importações até outubro para proteger sua principal safra. "É simples assim: não há compradores", resumiu Samarendu Mohanty, diretor do Centro de Estudos de Agricultura e Desenvolvimento Sustentável da Universidade Estadual de Agricultura de Telangana, citado pelo Financial Times. O resultado é fácil de definir: há excesso de estoques e falta de compradores e, portanto, os preços despencam.

Do lado da demanda, a Indonésia antecipou as compras no ano passado e retirou-se do mercado, enquanto as Filipinas proibiram as importações até outubro para proteger sua principal safra. "É simples assim: não há compradores", resumiu Samarendu Mohanty, diretor do Centro de Estudos de Agricultura e Desenvolvimento Sustentável da Universidade Estadual de Agricultura de Telangana, citado pelo Financial Times. O resultado é fácil de definir: há excesso de estoques e falta de compradores e, portanto, os preços despencam.

Uma exceção: o Japão

Enquanto os preços globais estão em queda, o Japão sofre o cenário oposto. Segundo a Bloomberg, o país está enfrentando um verão de calor extremo e seca em regiões produtoras importantes, como Tohoku e Hokuriku. Kazunuki Ohizumi, professor emérito da Universidade Miyagi, disse à agência: "A produtividade e os volumes de distribuição quase certamente cairão."

Para conter a crise, o governo japonês liberou centenas de milhares de toneladas de reservas e permitiu a expansão da área de cultivo. No entanto, essas medidas se mostraram insuficientes. Em maio deste ano, como meu colega apontou para o Xataka, o Japão deu um passo sem precedentes em 25 anos: importou arroz da Coreia do Sul. Pouco depois, a rede Aeon anunciou a venda de arroz americano Calrose, 10% mais barato que o arroz nacional. A pressão social e política tem sido enorme: pesquisas mostram um colapso no índice de aprovação do primeiro-ministro Shigeru Ishiba, e a polêmica foi alimentada por declarações infelizes do ministro da Agricultura.

Além disso, o Japão mantém uma política protecionista rigorosa: apenas 770.000 toneladas de produtos importados entram anualmente sem tarifas, e fora dessa cota, a tarifa sobe para 341 ienes/kg (cerca de US$ 2,30). Mesmo em um contexto de abundância global, seus consumidores pagaram até 50% a mais do que no ano anterior, segundo a Bloomberg.

A alavanca da produtividade

O colapso global dos preços tem um histórico. De acordo com Javier Blas, em sua coluna para a Bloomberg, a produtividade do arroz passou de 2,4 t/ha em 1975 para cerca de 4,7 t/ha em 2025, graças ao uso massivo de fertilizantes, pesticidas, irrigação e sementes melhoradas. A área global de arroz praticamente não mudou desde a década de 1980, mas a produção dobrou, atingindo uma colheita recorde de 541 milhões de toneladas, prevista para 2025/26, segundo a FAO.

Resiliência "à prova de monções"

A Índia, em particular, tornou-se um exemplo de resiliência. Como explicou o Financial Times, o país possui sistemas de irrigação quase universais em regiões-chave para o cultivo de arroz, preços mínimos garantidos e bônus estatais que protegem os agricultores. Isso permite que o país sustente colheitas recordes mesmo com monções irregulares. Preços mínimos garantidos (MSPs) e bônus estatais fornecem uma proteção contra a volatilidade internacional. Além disso, os agricultores compram novas sementes a cada safra, aumentando a produtividade e expandindo a área plantada.

O resultado foi um excedente de oferta que Nova Déli canaliza para os mercados doméstico e internacional, e até mesmo para usos industriais, como o etanol.

Vencedores e perdedores

Para consumidores e países importadores, o declínio é uma boa notícia: menos pressão inflacionária sobre a cesta básica. Para produtores, especialmente na Ásia, é o oposto: com insumos cada vez mais caros e preços internacionais deprimidos, as margens estão perigosamente estreitas.

O arroz também se torna um fator de estabilidade ou instabilidade política. Blas lembra que na Ásia, onde o arroz é essencial à dieta alimentar, uma alta nos preços pode derrubar governos. O Japão está passando por isso agora: a escassez interna colocou o governo Ishiba sob extrema pressão.

O que podemos esperar para o futuro?

O cenário base sugere fraqueza contínua dos preços. Analistas consultados pelo Financial Times preveem uma possível queda adicional de 10% se não ocorrerem choques como outro evento climático extremo ou restrições comerciais.

Em sua coluna, Blas estima que a produção global de arroz em 2025-26 será a maior da história, mantendo a pressão descendente. Mas o Japão aponta que as mudanças climáticas podem desvincular os mercados domésticos da tendência global: um verão excessivamente quente é suficiente para transformar a abundância global em uma crise doméstica.

O grão que mede a estabilidade

O arroz é, talvez como nenhum outro alimento, a medida da nossa capacidade de alimentar o mundo. Hoje, seus preços estão despencando porque a humanidade aprendeu a produzir mais com menos terra, não porque o clima tenha proporcionado uma trégua permanente.

Para milhões de famílias, isso significa uma mesa mais acessível; para milhões de agricultores, significa a ameaça de queda na renda. O desafio é claro: ampliar os benefícios da produtividade sem deixar para trás os produtores mais vulneráveis ​​e, ao mesmo tempo, preparar-se para exceções locais como o Japão. O arroz demonstra, mais uma vez, que a agricultura não apenas nutre: ela também define a estabilidade social e política.

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