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A moradia está ficando tão cara que, no Reino Unido, as pessoas já estão optando por um plano B: morar em barcos

Em meio à alta dos preços e após a experiência da COVID, cada vez mais pessoas estão de olho nas embarcações

Imagem | Elliott Brown (Flickr) e David Merrett (Flickr)
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PH Mota

Redator

Jornalista há 15 anos, teve uma infância analógica cada vez mais conquistada pelos charmes das novas tecnologias. Do videocassete ao streaming, do Windows 3.1 aos celulares cada vez menores.

No Reino Unido, existem centenas de pessoas que não moram em casas, prédios ou conjuntos habitacionais. Elas também não têm vizinhos. Pelo menos não no sentido convencional. Em um país que viu a moradia se tornar mais cara a ponto de se tornar restrita, há quem opte por morar em canais e rios. Eles fazem isso a bordo de barcas de vários metros que, embora não sejam baratas e tenham seus próprios custos, ainda são muito mais acessíveis do que apartamentos em grandes cidades.

E há razões para acreditar que, ao longo dos anos, seu número vem aumentando.

Vivendo entre patos e peixes

Parece romântico, mas esse é o estilo de vida que milhares de britânicos que residem a bordo de barcos optaram. Há dados que sugerem que seu número aumentou nos últimos anos. Há alguns meses, a revista The Economist publicou um artigo no qual lembra que o último censo do Canals and Rivers Trust (CRT) mostra que, pelo menos em 2022, havia 35 mil embarcações licenciadas para operar em 3,2 km de hidrovias espalhadas pela Inglaterra e País de Gales, um terço a mais do que nas últimas duas décadas.

O caso de Londres

Além disso, em Londres, onde se destacam os "navegadores" entre 25 e 34 anos, seu número quase dobrou em questão de uma década. Em sua reportagem, a The Economist não especifica quantas dessas barcas são usadas como residência principal, mas sugere que provavelmente é uma boa parte.

Em 2021, o The Guardian foi um pouco mais longe e apontou que pesquisas do Canals and Rivers Trust mostram que, pelo menos na época, a proporção de pessoas vivendo a bordo de suas embarcações era de cerca de 25% em nível nacional (em 2011 era um pouco menor, 15%), embora a porcentagem fosse maior em Londres.

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Há mais dados?

Sim. E embora os números variem dependendo da fonte consultada, eles sempre apontam na mesma direção. Embora os britânicos que decidiram trocar apartamentos e casas convencionais por barcas ainda representem uma minoria, em fevereiro a Sky News estimou esse número em cerca de 15 mil, e crescendo. Segundo o Boats.com, o número seria ainda maior. Seus dados estimam o censo de residentes permanentes em barcas atracadas nos rios, canais e litorais do Reino Unido em cerca de 30 mil.

Uma questão de preços

A grande questão é... Por quê? Por que trocar o conforto de um apartamento no centro de Bristol, Manchester ou Londres por um barco atracado em um canal? Analistas respondem a essas perguntas com várias soluções, mas há uma que se repete com frequência: o preço.

Uma barca estreita e bem conservada para navegar pelas hidrovias do país pode custar perto de £ 50 mil (R$ 375,2 mil).  É um valor considerável (claro que existem outras muito mais baratas), mas está longe do que custa, em média, um apartamento nas metrópoles do Reino Unido.

Revisando os números

De acordo com dados oficiais, em janeiro, o preço médio de uma casa no país era de £ 268,5 (cerca de R$2 mil). Se falarmos de Londres, essa referência sobe para quase 600 mil libras (ou cerca de R$ 4,5 mil) por uma casa de um quarto, o que torna a capital britânica uma das cidades mais caras do planeta para se tornar proprietário de uma casa, com base em dados do Global Property Guide. Em 2023, a prefeita de Londres falou diretamente de uma "crise imobiliária" e chamou de "escândalo" o fato de haver dezenas de casas e apartamentos ociosos.

É barato morar em um barco?

Sim, se compararmos o custo de comprar uma barca com o custo de comprar um apartamento em Londres. Mas isso não significa que trocar ruas, conjuntos habitacionais e quarteirões por canais esteja ao alcance de todos. Primeiro, porque seus proprietários pagam por licenças de navegação. Segundo, porque um barco acarreta certas despesas.

Recentemente, a inquilina de uma barca do Reino Unido confessou à Sky News que gasta cerca de 4,5 libras por ano em contas (R$ 33,7 mil), incluindo seguro, botijões, carvão, combustível e licenças de navegação. Se quiser manter sua casa em boas condições a cada três ou quatro anos, ele também precisa tirá-la da água e pintar o casco, o que lhe custa aproximadamente mais 1,2 mil libras (R$ 9 mil).

Dinheiro... e mais um pouco

Embora o dinheiro seja um fator-chave, não é o único que explica por que, no Reino Unido, milhares de pessoas passam (pelo menos) a maior parte do ano a bordo de barcos. Outros fatores entram em jogo, como a influência da pandemia, o aumento do teletrabalho, o interesse em viajar pela costa britânica ou uma simples questão de gosto, seja como opção de vida permanente ou temporária.

Afinal, a vida a bordo de uma barca não é só idílica.

Momentos mágicos. "Eu queria tanto um barco que não me importava de viver sem chuveiro, usar um balde como vaso sanitário nos primeiros meses ou passar frio", lembra Elizabeth Earle, escritora e ilustradora freelancer que optou por abandonar o conforto de um apartamento para morar em uma barca. Ela agora mora em uma casa flutuante centenária com cerca de 20 metros de comprimento. "Não tenho ninguém para me incomodar e, se eu quiser sair daqui, posso fazer isso amanhã. Você está sempre coberto de hematomas e fuligem, e há muita lama, mas também pensa 'uau, eu consigo fazer uma fogueira' e carregar 25 kg de carvão."

Uma opção com desafios

Navegação, manutenção ou abastecimento não são os únicos desafios enfrentados pelos inquilinos de barcas. Elizabeth não paga pela atracação propriamente dita, mas isso tem seu "lado B": ao optar pelo "cruzeiro contínuo", sua casa flutuante precisa mudar de local de tempos em tempos. Em situação semelhante estão os demais marinheiros britânicos, que não têm direito (ou não pagam) a amarrações permanentes e são forçados a se deslocar entre locais ao longo do mesmo rio, ou além, a cada 14 dias.

"Pagamos uma licença que não equivale a um aluguel, mas sim ao imposto municipal", disse Alian Gough-Olaya, que também mora em uma barca e trabalha como enfermeiro em Hackney, à BBC. Em troca de cerca de £ 1,6 mil por ano (R$ 12 mil), ele tem acesso a certos serviços, como contêineres e estações de bombeamento de resíduos, e a cada poucas semanas viaja ao longo do Rio Lea. O problema é que o status que permite manter essa dinâmica pode mudar em breve.

"Isso traz desafios"

Em janeiro, a CRT reconheceu ao canal britânico que o número de barcos dobrou nas últimas três décadas e que o número de pessoas que residem nos canais também aumentou. "Isso os revigorou, mas também traz desafios sobre como gerenciar um grande número de embarcações e garantir que seja justo para todos", explica.

Aqueles que residem em barcas enfrentam a possibilidade de que seu modo de vida seja alterado pelo aumento dos custos para aqueles que não possuem amarrações permanentes, uma opção que os forçará a aumentar seus gastos e é mais difícil de alcançar.

Imagens | Elliott Brown (Flickr) e David Merrett (Flickr)

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