A Alemanha precisa das terras raras da China; e o custo está sendo entregar o futuro de sua economia

Anos de alertas sobre a intenção chinesa de dominar gargalos estratégicos agora se materializam em regras que transformam a dependência industrial em alavanca política

China pressiona Alemanha / Imagem: Uwe Aranas
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Victor Bianchin

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Victor Bianchin é jornalista.

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Em abril de 2025, a China começou a impor restrições de exportação sobre certos elementos de terras raras, aumentando o controle de licenças. Para manter o acesso aos minerais críticos necessários à sua indústria, as empresas alemãs agora precisam detalhar dados estratégicos — como produção, clientes, diagramas de fabricação e estoques — que podem ser usados por Pequim para mapear a indústria alemã e exercer influência política e econômica. 

Essa obrigação imposta por Pequim às empresas alemãs não é um mero trâmite administrativo, mas uma transferência de inteligência industrial em grande escala, em um contexto no qual a Alemanha corre o risco de que esses dados sejam usados de diversas maneiras.

Os novos controles chineses exigem formulários com um nível de detalhe incomum — desde fotos do produto indicando onde estão as terras raras, até diagramas de fabricação, lista de clientes, dados de produção de três anos e projeções futuras.

Essas informações permitirão a Pequim reconstruir com precisão quais empresas dependem de um único fornecedor, quem opera sem estoque de segurança, onde um atraso em licenças poderia paralisar um setor inteiro e como essa dependência se ramifica em cadeias de valor subsequentes.

A indústria alemã não tem escolha a não ser aceitar. O motivo: não há margem de manobra. Com 95% do fornecimento vindo da China, recusar equivale a parar, e o caráter rotativo das licenças de seis meses transforma a dependência material em renovação periódica de obediência.

A Alemanha entrega informações

A Bloomberg relata que, enquanto Pequim acumula dados que lhe permitem controlar o nível mais profundo da indústria europeia, o governo alemão não possui a mesma visibilidade sobre seus próprios campeões industriais: os questionários oficiais não foram respondidos, as reuniões não revelaram informações e qualquer tentativa de impor obrigatoriedade esbarraria em um clima político saturado pela promessa de reduzir a burocracia.

Surge assim uma situação estratégica contraditória: a China sabe mais sobre a anatomia industrial alemã do que a própria Alemanha, e a assimetria de conhecimento aumenta justamente quando o país se torna mais dependente do fornecimento externo e mais vulnerável a interrupções seletivas.

O mecanismo de licenças se insere em uma dinâmica que transcende o comércio: se Washington usou a dependência chinesa da tecnologia estadunidense como arma, Pequim replica usando sua supremacia em materiais críticos para forçar concessões europeias.

A “lista branca” da embaixada alemã (criada para priorizar licenças a grandes grupos) revelou quais são os setores industriais que Berlim não pode se dar ao luxo de perder, fornecendo à China um guia para aplicar coerção de forma cirúrgica. Os dados permitem não apenas interromper a produção civil, mas também inferir a estrutura da base industrial de defesa europeia em meio a um ciclo de rearmamento acelerado pela Ucrânia.

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Coerção e fragmentação

A Bloomberg explica que a China já sugere trocas implícitas (reduzir limites se a Europa afrouxar restrições tecnológicas), explorando a baixa coesão interna da Alemanha: as empresas exigem compensação pública para diversificar, o governo responde que garantir fornecimentos é dever privado e ambos adiam decisões porque diversificar exige capital, tempo e risco reputacional.

Ao mesmo tempo, Pequim prefere negociar bilateralmente com Berlim em vez de frente à UE para maximizar suas alavancas, e Merz chega a essa mesa sem capacidade real de ameaçar com substituição, porque qualquer troca na cadeia encarece o produto final e reduz a competitividade, tornando mais caro sair do que permanecer preso.

Além disso, muitos analistas co que a Alemanha é o país europeu mais exposto ao chamado “Segundo Choque da China”: a mudança da China de cliente-chave para competidor, com excesso de capacidade na indústria automobilística, baterias e energia solar, apoiada por um superávit comercial pós-pandemia que atingiu níveis históricos e alimenta uma onda exportadora difícil de ser absorvida pela indústria alemã.

O resultado é pressão para baixo sobre preços e margens, queda de pedidos em máquinas e automóveis, conflitos trabalhistas e planos de cortes e fechamentos, enquanto o mercado chinês oferece menos benefícios e mais rivalidade.

Os minerais aumentam a pressão

Essa vulnerabilidade se agrava com a nova coerção regulatória de Pequim sobre minerais críticos que mencionamos (que extrai inteligência das cadeias de suprimento e pode interromper insumos), de modo que a mesma Alemanha que liderou o modelo exportador europeu agora sofre uma pinça: concorrência subsidiada de “excedentes” chineses em setores-chave e dependência de matérias-primas imprescindíveis controladas pela China.

De fato, think tanks e organismos documentam isso: desde o diagnóstico do “Choque da China 2.0” centrado em automóveis e máquinas, ao aumento do superávit chinês e a expansão de quotas em carros, passando por relatórios sobre excesso de capacidade e distorções em veículos elétricos e energia fotovoltaica, além da deterioração do desempenho manufatureiro alemão. Somando tudo isso, a China passa de motor de demanda a rival sistêmico.

Lição estratégica

O quadro não deve surpreender muito Pequim: anos de alertas sobre sua intenção de dominar gargalos estratégicos agora se materializam em regras que transformam a dependência industrial em alavanca política.

Controlar as terras raras não garante apenas um fluxo de suprimentos, garante o mapa completo de tubulações e válvulas do rival. Sob essa arquitetura, a China não precisa cortar os fluxos: basta condicionar sua renovação e exigir informações em troca, para que a Europa pague, repetidas vezes, pelo privilégio de continuar dependendo.

O alerta é cristalino: quem demora a diversificar não congela o risco, ele o capitaliza a favor do fornecedor.

Imagem | Uwe Aranas, Ra Boe / Wikipedia

Este texto foi traduzido/adaptado do site Xataka Espanha.


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