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Um novo caminho para o sonho da maternidade: há um ano, Hospital das Clínicas realizava primeiro transplante de útero entre pacientes vivas na América Latina — agora, a paciente foi mãe de trigêmeos

Um marco da medicina que virou história de família

Crédito de imagem: Xataka Brasil via ChatGPT
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João Paes

Redator
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João Paes

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Escreve sobre tecnologia, games e cultura pop há mais de 10 anos, tendo se interessado por tudo isso desde que abriu o primeiro computador (há muito mais de 10 anos). 

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Em agosto de 2024, o Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP protagonizou um feito inédito na América Latina: o primeiro transplante de útero entre mulheres vivas realizado com sucesso. O que já era um marco na medicina reprodutiva se transformou, um ano depois, em uma história que beira o improvável — a paciente que recebeu o órgão, Jéssica Borges, deu à luz trigêmeos idênticos, os primeiros bebês do mundo a nascerem de um útero transplantado com essa condição.

A cirurgia, conduzida em parceria com especialistas da Universidade de Gotemburgo, na Suécia, teve como doadora a irmã de Jéssica, Jaqueline Borges, que já havia passado por duas gestações. Ambas foram submetidas a meses de exames, preparação e acompanhamento antes da operação, realizada no dia 17 de agosto de 2024.

“Foi um procedimento longo, cuidadoso, e aguardamos um tempo para ver se não haveria rejeição nem complicações”, explicou o médico Dani Ejzenberg, supervisor do Centro de Reprodução Humana do Hospital das Clínicas. O transplante, que contou também com a equipe do professor Edmund Baracat e do cirurgião Luiz Augusto Carneiro d’Albuquerque, consolidou o HC como referência mundial em transplantes uterinos — o mesmo hospital que, em 2017, já havia feito história com o primeiro caso bem-sucedido a partir de uma doadora falecida.

Crédito de imagem: Pablo Jacob/Governo de SP Imagem de um transplante de fígado acontecendo no Hospital das Clínicas.

A segunda fase e o resultado triplamente positivo

Somente em fevereiro de 2025, os médicos decidiram seguir com a próxima etapa: o implante de um dos embriões produzidos a partir do material genético de Jéssica e do marido, Ronilson. O procedimento, parte final de um processo que envolveu fertilização in vitro e congelamento de embriões antes do transplante, parecia simples diante de tudo que já havia sido conquistado — mas o resultado ainda guardava surpresas.

Para felicidade geral da equipe e da família, o resultado veio rápido. No início de março, o teste de gravidez deu positivo. “No dia seguinte, fizemos mais dois, só pra ter certeza”, contou Jaqueline, ao Fantástico. A confirmação, além de lágrimas e alívio, trouxe também o início de um caso único na literatura médica.

O primeiro ultrassom revelou que o embrião havia se dividido em dois. Dias depois, uma nova divisão aconteceu — e o que era uma gestação única se tornou uma gravidez de trigêmeos univitelinos, algo raríssimo até mesmo em casos naturais.

Em 19 de agosto, Jéssica, com 28 semanas de gestação, chegou ao Hospital das Clínicas para exames de rotina. A bolsa estourou no mesmo dia, e a equipe correu para uma cesariana de emergência. No dia 20 de agosto de 2025, data em que ela e Ronilson completavam 14 anos de casamento, nasceram Heitor, Ryan e Alisson — com 835g, 910g e 911g, respectivamente.

Os meninos nasceram bem, mas precisaram permanecer por dois meses na UTI neonatal até atingirem peso e estabilidade. Hoje, todos passam bem.

Inovação e esperança

O caso de Jéssica e Jaqueline reacendeu o debate sobre o papel dos transplantes de útero como alternativa viável para mulheres com síndrome de Rokitansky, condição congênita caracterizada pela ausência de útero e parte da vagina, mas com ovários funcionais. A técnica ainda é experimental e envolve uso contínuo de imunossupressores — motivo pelo qual o útero de Jéssica foi removido após o parto.

“O órgão não pode permanecer por muito tempo, porque o uso dos imunossupressores aumenta o risco de infecção”, explicou o Dr. Ejzenberg. “Como ela já teve seus três meninos, não há motivo para manter o útero”.

Jéssica teve alta no dia 24 de outubro, e os trigêmeos devem deixar o hospital nos próximos dias. Mais do que um avanço técnico, o sucesso do transplante de útero entre irmãs representa um passo simbólico para o direito reprodutivo feminino.

Hoje, esse avanço está vivo em Heitor, Ryan e Alisson Borges, três meninos que nasceram de um útero emprestado, em um ato de amor entre irmãs e que marcam o início de um novo capítulo da medicina.


Créditos de imagens: Xataka Brasil via ChatGPT e Pablo Jacob/Governo de SP

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