Quando a Netflix confirmou a compra da Warner Bros. Discovery por cerca de US$ 82,7 bilhões, o impacto foi imediato. Não apenas pelo tamanho do negócio — um dos maiores da história do entretenimento —, mas pelo que ele simboliza: a consolidação quase definitiva do poder criativo e econômico nas mãos de um único player. Para Fernanda Schein, cineasta e editora brasileira que atua há mais de dez anos em Los Angeles e já trabalhou em grandes produções da própria Netflix, é difícil ver essa notícia como algo positivo. “É difícil não torcer para que essa compra seja bloqueada”, afirma.
O motivo vai além do discurso contra os monopólios. Segundo Fernanda, a fusão tende a esmagar diferenças históricas entre catálogos que sempre funcionaram com identidades próprias. HBO, Warner Bros. Pictures e Discovery agora passam a responder à mesma lógica operacional — e isso, na prática, significa padronização. “O consumidor pagaria mais caro por um conteúdo menos diversificado e menos criativo”, diz. “Quando você junta tudo isso sob uma mesma lógica, a diversidade naturalmente diminui”.
A lista de propriedades envolvidas assusta: Harry Potter, DC, Matrix, Mad Max, Blade Runner, O Exorcista, Os Goonies, além de séries como Game of Thrones, Sopranos, Succession, Euphoria e True Detective. Em vez de universos criativos independentes, o risco é que tudo passe a existir sob um mesmo “manual estético”. Para Fernanda, o resultado seria previsível: “Dezenas de spin-offs, franquias intermináveis, todas com a mesma cara genérica e sem espaço real para a liberdade artística”.
O problema não para nas grandes marcas. A concentração também afeta quem está fora do topo da cadeia. “Produtores independentes perdem poder de negociação, porque a Netflix ficaria grande demais para ser confrontada”, explica. Quando um player atinge esse tamanho, ele não apenas participa do mercado — ele passa a defini-lo.
Fernanda Schein é editora de vídeo e já trabalhou em diversas produções internacionais e nacionais.
Em países como o Brasil, onde não há regulamentação específica para streaming, o impacto pode ser ainda mais profundo. Fernanda aponta que plataformas globais conseguem captar recursos locais, lançar conteúdos como “originais” e, ainda assim, não devolver estrutura, formação ou fortalecimento ao mercado nacional. “O conteúdo sai com selo global, mas o setor local não se desenvolve”, afirma.
Tudo isso acontece em um momento delicado da indústria. O audiovisual vive uma fase de saturação criativa, marcada por remakes, reboots e franquias esticadas até o limite. “A indústria está com medo de arriscar”, diz Fernanda. “Depois da greve, nem os estúdios nem os streamings parecem saber exatamente qual é a próxima linha de trabalho”.
Historicamente, momentos assim abriram espaço para o cinema independente reinventar o setor — como no fim dos anos 1970. Não por acaso, Fernanda tem direcionado sua carreira para fora do circuito tradicional. “O independente se move mais rápido”, explica. “Enquanto os grandes tentam se reorganizar, é ali que ainda existe espaço para experimentar”.
No fim, a fusão Netflix-Warner não define apenas quem controla os maiores catálogos do mundo. Ela ajuda a decidir que tipo de histórias — e de riscos criativos — o público vai consumir nos próximos anos. E, para quem acredita em diversidade artística de verdade, torcer contra faz todo o sentido.
Créditos de imagens: João Paes Neto, Divulgação
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