O último golpe dos EUA na Europa ecoou até no espaço: a Agência Espacial Europeia não poderá enviar astronautas à Lua

A Agência Espacial Europeia fez investimentos milionários para garantir que seus astronautas pudessem ir à Lua. Mas, com o cancelamento do foguete SLS, da nave Orion e da estação lunar Gateway, agora tudo está em aberto

Cortes que Trump pretende fazer ao orçamento da NASA irão comprometer projetos dos EUA em parceria com os europeus / Imagem: Estrutura do módulo HALO da estação lunar Gateway (Tales, ESA)
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Victor Bianchin

Redator

Victor Bianchin é jornalista.

O corte histórico na NASA por parte do governo dos Estados Unidos fez uma vítima clara: a Europa. Se o Congresso aprovar os cortes propostos pela administração Trump, a Agência Espacial Europeia (ESA), uma das parceiras mais fiéis da NASA, ficará sozinha e com contas a pagar nos projetos mais importantes que compartilha com sua homóloga norte-americana.

A proposta orçamentária da Casa Branca para o ano fiscal de 2026 inclui um corte brutal para a NASA, cujo orçamento anual passaria de 24,8 bilhões para 18,8 bilhões de dólares — uma redução de 25%. Os cortes atingem especialmente o braço científico da NASA, mas também viraram de cabeça para baixo o programa lunar dos Estados Unidos e de seus parceiros.

O programa Artemis, que o próprio Trump impulsionou em seu primeiro mandato, ficará nas mãos da iniciativa privada a partir de 2027, com o cancelamento do foguete SLS e da nave Orion. A estação lunar Gateway, da qual participam diversos parceiros internacionais, foi completamente descartada.

Um tapa na cara da ESA

Embora já fosse algo esperado há algum tempo (a própria Boeing alertou seus funcionários no início do ano), o cancelamento do sistema SLS/Orion traz consequências diretas para a Agência Espacial Europeia. A ESA é responsável pelo Módulo de Serviço Europeu (ESM), que fornece propulsão, energia e suporte vital para a nave Orion e sua tripulação.

O primeiro ESM foi utilizado na missão não tripulada Artemis I. Outros dois serão usados nas missões Artemis II e III. Mas, em fevereiro de 2021, a ESA concedeu à Airbus um contrato de 650 milhões de euros para a fabricação de três módulos adicionais (ESM-4, 5 e 6), que agora ficarão sem uso.

A Lunar Gateway também não era um projeto exclusivamente norte-americano. A estação orbital lunar, cujo lançamento estava previsto para 2027, foi concebida pela NASA em colaboração com as agências espaciais do Japão (JAXA), Canadá (CSA), Emirados Árabes Unidos e a própria ESA.

Como é lógico, muitos de seus componentes estavam em fase avançada de desenvolvimento ou fabricação. A Thales Alenia Space fabricou em Turim (Itália) a estrutura primária do módulo HALO, que já se encontrava nos Estados Unidos para ser equipada. Além disso, a ESA tinha em fase de testes uma maquete do Lunar I-Hab (um módulo tipo habitat desenvolvido em colaboração com a JAXA) e, em fase de projeto preliminar, o módulo de reabastecimento e telecomunicações Lunar View (anteriormente conhecido como ESPRIT).

E os astronautas?

Esses investimentos europeus multimilionários, agora suspensos, eram uma moeda de troca para garantir a presença de astronautas da ESA nas missões à Lua. A arquitetura das missões lunares mudará completamente a partir da Artemis III.

Levando em conta que a Artemis I foi uma missão não tripulada, que a Artemis II contará apenas com um canadense a bordo como tripulante não americano e que a Artemis III está desenhada para que astronautas da NASA voltem a pisar a Lua, não está nada claro em que momento veremos europeus caminhando por lá.

Após ser certificado para atividades extraveiculares na Estação Espacial Internacional, Pablo Álvarez, o astronauta espanhol da ESA, planejava iniciar seu treinamento lunar para utilizar a futura estação Gateway.

A NASA procura o setor privado

A justificativa da Casa Branca para essa drástica mudança de rumo é “voltar à Lua antes da China e colocar um homem em Marte” (as referências a colocar a primeira mulher em Marte foram removidas do site da NASA como parte das medidas para apagar do mapa as iniciativas de diversidade, equidade e inclusão).

Para isso, destinará 7 bilhões de dólares a um programa lunar focado em “sistemas comerciais que permitam missões lunares posteriores mais ambiciosas”. Todos os olhares se voltam para o sistema Starship da SpaceX e para o módulo lunar Blue Moon da Blue Origin.

Além disso, foi reservado 1 bilhão de dólares para um novo programa tripulado com destino a Marte, seguindo as recomendações de Elon Musk, cuja visão é compartilhada pelo futuro administrador da NASA e também empresário Jared Isaacman. Trata-se de uma abordagem que prioriza a velocidade e a redução de custos por meio do setor privado, deixando de lado os modelos tradicionais de colaboração internacional baseados nas contribuições de outras agências.

E a ESA, fica como?

O diretor-geral da ESA, Josef Aschbacher, respondeu com a diplomacia esperada. Em um comunicado, explica que já estão sendo realizadas reuniões de acompanhamento com a NASA para avaliar o impacto dos cortes.

“Até o fim do ano, a ESA realizará a reunião do Conselho em nível ministerial, determinada a fortalecer ainda mais o papel da Europa no espaço”, afirmou Aschbacher, acrescentando, numa alfinetada sutil à NASA, que a ESA “se compromete não apenas a ser um parceiro confiável, mas também robusto e desejável”.

Será que a ESA talvez abrirá espaço para uma colaboração mais estreita com a China? A China, sem dúvida, está disposta a se tornar “a nova NASA”. Já abriu a missão Tianwen-3, de coleta de amostras de Marte, a colaboradores internacionais, assim como a missão robótica Chang’e-8 à Lua — talvez ciente de que o vácuo de poder deixado pelos EUA pode ser preenchido por um país que tenha uma postura mais aberta.

Imagem | Estrutura do módulo HALO da estação lunar Gateway (Tales, ESA)

Este texto foi traduzido/adaptado do site Xataka Espanha.

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