Tratamento pioneiro no Brasil com células de um órgão feminino pode deixar pacientes tetraplégicos de pé

Medicamento criado pela UFRJ ainda não foi aprovado pela Anvisa para comercialização, mas estudo clínico apresentou bons resultados em pacientes voluntários

Médico segurando a mão de cadeirante. Créditos: banco de imagens
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Laura Vieira

Redatora
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Laura Vieira

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Jornalista recém-formada, com experiência no Tribunal de Justiça, Alerj, jornal O Dia e como redatora em sites sobre pets e gastronomia. Gosta de ler, assistir filmes e séries e já passou boas horas construindo casas no The Sims.

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A paraplegia é uma condição gravíssima que provoca a perda ou a diminuição da capacidade de movimentar parte do tronco, pernas e órgãos pélvicos. Ela é causada por uma lesão aguda que afeta a medula espinhal e que, na maioria das vezes, é irreversível. Mas e se eu te dissesse que existe um medicamento capaz de regenerar o sistema nervoso, promover a recuperação da  medula espinhal e permitir o movimento corporal novamente

Por mais surpreendente que pareça, nesta terça-feira (9), o laboratório Cristália revelou um novo medicamento capaz de regenerar a medula de pacientes que tiveram paralisia dos membros inferiores ou tetraplegia: a polilaminina. O estudo para a produção desse fármaco foi realizado pela pesquisadora Tatiana Coelho de Sampaio, professora e doutora da UFRJ (Universidade Federal Fluminense), durante os últimos 25 anos. Entretanto, ainda não foi divulgada em sites científicos, com o intuito de proteger a inovação e o impacto do medicamento antes da aprovação da Anvisa. 

Polilaminina: medicamento é produzido a partir da placenta de mulheres

As lesões na medula espinhal, geralmente causadas por acidentes, quedas, lesões e até disparos de arma de fogo, podem impedir a comunicação do sistema nervoso com o resto do corpo, provocando a perda dos movimentos de membros inferiores ou superiores (ou os dois). Infelizmente, a ciência nunca encontrou uma cura para esse tipo de lesão. No entanto, Tatiana Coelho de Sampaio e uma equipe de biólogos da UFRJ se dedicaram a encontrar uma solução para esse problema que afeta profundamente a vida dos indivíduos, levando à dependência em tarefas básicas como higiene, vestuário e alimentação.

Durante 25 anos, eles estudaram sobre uma proteína, chamada de laminina, que atua no sistema nervoso central. Essa proteína é responsável por formar a base de várias membranas celulares, sendo fundamental para a adesão celular e a integridade dos tecidos. Ou seja, é uma proteína que apresenta um poder de reparação e multiplicação impressionante. 

Mas o mais curioso mesmo é que essa laminina é encontrada na placenta de mulheres grávidas. E é exatamente com essa proteína que o medicamento polilaminina é produzido

Entenda por que medicamento ainda não está sendo oferecido

Mas por que esse medicamento ainda não começou a ser oferecido à sociedade? O laboratório Cristália aguarda há quase três anos a liberação da Anvisa para realizar um estudo clínico regulatório ampliado do remédio, fase em que é avaliado a eficácia e segurança do medicamento de forma mais detalhada. Mas, felizmente, parece que a espera está chegando ao fim. A expectativa é que a Anvisa autorize o início do estudo em até 1 mês.

Em nota divulgada pela Folha de São Paulo, a Anvisa informou que está aguardando informações do laboratório sobre os estudos pré-clínicos, considerados indispensáveis no processo de avaliação da eficácia do medicamento, para que ele possa seguir para a fase de testes em humanos. De acordo com a nota, a Anvisa só recebeu os estudos iniciais da fase não clínica, ou seja, sem uso em seres humanos.  Sem esses dados, não é possível afirmar sobre a segurança e a eficácia do medicamento, apesar dos bons resultados iniciais.

Entenda com o medicamento age no organismo

Mas como esse medicamento inédito funciona e por que ele é capaz de trazer o movimento de volta à pacientes com paralisia? Acontece que polilaminina consegue estimular neurônios a ficarem "jovens" de novo, permitindo a criação de novos axônios, prolongamentos dos neurônios que transportam impulsos elétricos que controlam o movimento corporal, conectando o sistema nervoso a outras células. É como se o medicamento tivesse o poder de "rejuvenescer" neurônios maduros, que já não se desenvolvem mais, os estimulando a agirem de novo. 

Apesar de ainda não estar liberado para a comercialização, o polilaminina está sendo produzido na Planta Industrial de Biotecnologia de Cristália,  uma indústria especializada na produção de medicamentos biotecnológicos, a partir da doação da placenta de mulheres saudáveis após dar à luz. Ele foi utilizado em testes da etapa pré-clínica do estudo, sendo aplicado em uma única injeção diretamente no lugar da lesão.  

8 pacientes participaram como voluntários do estudo acadêmico clínico 

Para testar a eficácia do medicamento, os pesquisadores selecionaram 8 voluntários com lesões que comprometem o movimento para o teste do polilaminina, um processo aprovado por órgãos éticos. Dois entre os oito apresentaram resultados fantásticos durante essa etapa pré-clínica. 

A primeira foi a jogadora de atleta paralímpica de rugby, Hawanna Cruz Riberiro, de 27 anos. A atleta ficou tetraplégica após cair de uma altura de dez metros, em 2017, perdendo todos os movimentos abaixo do pescoço. Quando foi submetida ao teste, três anos depois do acidente, Hawanna conseguiu recuperar entre 60% e 70%  do controle do tronco. Apesar dessa recuperação significativa, ela ainda não é totalmente independente, mas apresenta uma melhor qualidade de vida. 

Já o segundo voluntário da fase de teste pré-clínico foi Bruno Drummond de Freitas, de 31 anos. Após um acidente de trânsito, ele ficou paralisado do pescoço para baixo, mas 24 horas após o caso, recebeu a polilaminina. Como se fosse um milagre, 5 meses depois do acidente, Bruno recuperou totalmente os movimentos do corpo. Hoje, ele tem uma rotina normal, treina, faz esportes e não precisa mais de tratamentos. 

Além de Hawanna e Bruno, o medicamento também foi testado em cães com lesões. O resultado, assim como nos humanos, deixou os pesquisadores impressionados, já que os animais tiveram a retomada dos movimentos corporais.  Outro ponto trazido pelos pesquisadores é que o medicamento não trouxe nenhum efeito colateral aos pacientes, mas ele ainda precisará ser testado após a aprovação da Anvisa para maiores detalhes. 

Hospitais se preparam para a aplicação do remédio 

A ansiedade é tanta que alguns hospitais já estão se preparando para realizar as aplicações de polilaminina nos pacientes quando for autorizado pela Anvisa, como é o caso do Hospital das clínicas e a Santa Casa, em São Paulo. Inicialmente, a ideia é realizar a aplicação apenas em pacientes diagnosticados recentemente com uma lesão muscular, no máximo três meses. Pacientes com lesões mais antigas também podem se beneficiar com o medicamento, mas o resultado depende do paciente após o procedimento. Apesar da empolgação na medicina, pode demorar vários anos até que o medicamento seja patenteado.


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