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A China estava bastante confiante com a jornada 9-9-6 — até perceber que era um tiro no próprio pé

Os direitos trabalhistas na China melhoraram, mas os motivos vão além de uma simples preocupação com os trabalhadores

As pessoas ficavam no trabalho e não tinham tempo para consumir / Imagem: Amparo Babiloni, Xataka
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Victor Bianchin

Redator
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Victor Bianchin é jornalista.

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Você começa a trabalhar às 9 da manhã e sai às 9 da noite. Assim, de segunda a sábado, com apenas um dia de descanso. 72 horas semanais. Pode parecer loucura, mas é a conhecida jornada 9-9-6, que muitas empresas chinesas do setor tecnológico seguiram por anos. O governo chinês acabou tomando providências ao perceber que jornadas intermináveis não eram apenas ruins para os trabalhadores, mas também ruins para o país.

Há alguns anos, trabalhar 12 horas por dia era algo comum nas empresas de tecnologia chinesas. Richard Liu, fundador da JD.com, classificava esses horários como uma “bênção” e Jack Ma, fundador da Alibaba, dizia que “se você não trabalhar das nove da manhã às nove da noite quando é jovem, quando vai fazer isso?”.

O termo 9-9-6 foi criado em 2019 a partir de um protesto contra esse modelo de trabalho, chamado 996-ICU, um trocadilho que significava que essa jornada levaria os trabalhadores à UTI. Esse movimento desencadeou uma onda de críticas a nível nacional e acredita-se que tenha sido a semente para que o governo a proibisse.

A mudança

Em 2021, com as jornadas maratonas sob o olhar atento do governo, muitas empresas recuaram e restabeleceram o fim de semana de dois dias. Também houve empresas como a Tencent que reduziram o horário de trabalho diário das 10h às 18h, passando do 9-9-6 para o 10-6-5. Por que essa mudança?

A jornada 9-9-6 foi o combustível para o crescimento do setor tecnológico chinês e seu fim se deve a vários motivos. O mais evidente é que os trabalhadores se cansaram de trabalhar nessas condições de exploração, nas quais até ocorreram casos de mortes por exaustão. O governo afirmou em sua decisão que “os trabalhadores têm direito a descanso e a tirar férias”, mas não se deve esquecer que é o mesmo governo conhecido por ser contra os sindicatos e prender ativistas.

As jornadas de trabalho desumanas eram um tiro no pé para os objetivos de desenvolvimento do governo. Em 2021, Xi Jinping promoveu a ideia da “prosperidade comum”, uma iniciativa que buscava fazer crescer a economia tanto dentro quanto fora de suas fronteiras. No entanto, promover o consumo interno não era compatível com jornadas de trabalho de 12 horas. Os trabalhadores do setor tecnológico ganhavam mais que em outros setores, mas, se passavam todo o tempo acordados dentro do escritório, não tinham oportunidade de gastar.

Os problemas de natalidade na China vêm de longe, mas, se antes o problema era que havia excesso, agora é justamente o contrário, e o horário 9-9-6 não ajudava. Contam neste texto que, nas empresas chinesas, existe uma ideia enraizada chamada “subir ou sair”. Trata-se da crença de que, se um trabalhador não for promovido a um cargo elevado antes de ter filhos, corre o risco de ser substituído por alguém mais jovem. Além disso, os homens que têm filhos e trabalham nesse regime não podem cuidar nem das crianças nem da casa, o que, em muitos casos, expulsa as mulheres do mercado de trabalho. Isso faz com que muitos trabalhadores adiem o momento de ter filhos —e alguns até desistam completamente.

Acabar com o 9-9-6 beneficia os trabalhadores, mas também ajuda a alcançar esses objetivos. O mercado de trabalho se expande porque não há um limite tão baixo de idade, a natalidade aumenta e o consumo interno cresce. Tudo perfeito, ou quase. O fim do 9-9-6 não saiu barato para muitos trabalhadores: quando a ByteDance anunciou que seus funcionários não trabalhariam mais nos finais de semana, fez isso junto com um corte salarial de 20%.

Além disso, para muitos trabalhadores, o pesadelo não acabou. No ano passado, a responsável de mídia da Baidu publicou uma série de vídeos denunciando que era obrigada a estar disponível 24 horas por dia. A cultura 9-9-6 ainda está enraizada, sobretudo nas cidades, fazendo com que muitos jovens optem por se mudar para centros menores, onde a vida é mais tranquila.

Imagem | Amparo Babiloni, Xataka

Este texto foi traduzido/adaptado do site Xataka Espanha.

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