De repente, a China acaba de fazer uma chamada que mudou tudo no status quo. Ela foi feita para um celular, mas a centenas de quilômetros da Terra, sem truques ou artimanhas. Elon Musk deve ter franzido a testa.
Uma equipe de cientistas chineses conseguiu realizar a primeira videochamada do mundo a partir de um satélite 5G diretamente para um telefone móvel, sem necessidade de hardware especializado — um marco técnico que pode transformar o futuro da conectividade global. O experimento, realizado pela China SatNet (a empresa estatal responsável pelo ambicioso projeto da constelação de 13.000 satélites “Guowang”), usou o padrão internacional de redes não terrestres 5G (5G NTN), aprovado pela entidade global 3GPP.
Ao estabelecer uma conexão direta entre o satélite e um celular comum sob protocolos padrão, a China não apenas superou tecnicamente outras potências que ainda se limitavam a enviar mensagens de texto do espaço, mas também plantou as sementes de uma infraestrutura que pode reduzir drasticamente a dependência das redes terrestres.
Além das torres
O objetivo dessa tecnologia parece, a princípio, claro: proporcionar cobertura móvel em áreas remotas, regiões de desastres naturais, regiões marítimas, ambientes bélicos e/ou sistemas autônomos, tudo isso sem necessidade de infraestrutura terrestre. Nesse contexto, as implicações vão além do desenvolvimento tecnológico.
O South China Morning Post (SCMP) relata que o mercado global de redes não terrestres 5G deve alcançar um valor de 80 bilhões de dólares em 2030, impulsionado por atores como SpaceX, Samsung, MediaTek e Thales Group, além de empresas chinesas como a CSTI, uma nova entidade criada em 2024 que reúne China SatNet, China Mobile e a contratante militar Norinco. A CSTI tem a missão de transformar os sistemas espaciais chineses em soluções integradas para logística, energia, cidades inteligentes, defesa e gestão de dados em tempo real.
Contexto político
O avanço tecnológico, sem dúvida, chega em um momento delicado: os Estados Unidos têm tentado bloquear ou forçar a venda do TikTok, propriedade da empresa chinesa ByteDance, alegando preocupações com a segurança nacional. No entanto, essa nova capacidade de comunicação a partir do espaço reaviva a questão: qual é o sentido de bloquear aplicativos se, no futuro, os dados e conteúdos podem ser transmitidos diretamente via satélite, fora do alcance regulatório das infraestruturas tradicionais?
Embora alguns especialistas alertem que ainda existem barreiras técnicas, regulatórias e de capacidade (como as limitações da largura de banda dos satélites ou a necessidade de uma vasta rede em órbita para evitar altas latências), o avanço é inegável. A China demonstra que pode superar empresas americanas como Starlink e Lynk Global com tecnologias compatíveis com o ecossistema global 5G.
Tecnologia disruptiva
Apesar do sucesso do experimento, os especialistas mantêm uma visão realista. As redes satelitais não substituirão completamente as redes terrestres, pelo menos não a curto prazo. Espera-se que funcionem como complemento, especialmente em cenários específicos onde as infraestruturas físicas são impossíveis, pouco práticas ou muito caras.
Além disso, os requisitos legais para operar redes satelitais (como a obtenção de licenças nacionais e internacionais) impedem que essas tecnologias sirvam como atalho para evitar as regulamentações de cada país. O próprio analista da IDC consultado pelo veículo de imprensa alertava que ainda é “pouco realista” pensar em videotransmissões massivas via satélite, pelo menos com a capacidade atual dos transmissores.
Uma nova corrida espacial digital
Essa é outra das frentes a serem analisadas após a conquista. A aposta chinesa em expandir suas capacidades orbitais não parece ser apenas uma manobra de prestígio nacional. O foco da CSTI visa integrar de forma operacional a navegação BeiDou, as redes de comunicação e a infraestrutura de dados em tempo real em um único ecossistema de domínio espacial.
Isso representa uma mudança estratégica fundamental: a China não se limita mais a construir satélites, agora quer que eles articulem serviços concretos e utilizáveis em todo o país e, possivelmente, em mercados aliados ou dependentes. Trata-se, portanto, de uma visão geoestratégica na qual o espaço é a nova espinha dorsal da soberania digital.
A implicação desse avanço transcende o aspecto técnico: pode redefinir a disputa tecnológica entre China e Estados Unidos. Em um mundo onde o controle da informação e das plataformas digitais se tornou uma arma geopolítica, uma rede global de satélites capaz de emitir conteúdo diretamente para dispositivos (sem passar por centros de dados intermediários nem depender de provedores nacionais) coloca um cenário radicalmente novo.
A possibilidade de que, por exemplo, o TikTok (ou qualquer outra plataforma chinesa) um dia possa transmitir dados sem a necessidade de infraestruturas físicas sob controle ocidental é um desafio que gera grandes dúvidas sobre qualquer legislação atual.
Por enquanto, é apenas uma videoconferência histórica. O tempo dirá a extensão de sua importância.
Imagem | RawPixel
Este texto foi traduzido/adaptado do site Xataka Espanha.
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