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Mais carros são vendidos na China do que nunca, mas não tantos quanto o necessário: números são inflados para garantia de subsídios

Imagem | guangcaiauto
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PH Mota

Redator
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PH Mota

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Jornalista há 15 anos, teve uma infância analógica cada vez mais conquistada pelos charmes das novas tecnologias. Do videocassete ao streaming, do Windows 3.1 aos celulares cada vez menores.

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A mais recente estratégia da indústria automobilística chinesa é vender carros novos como se fossem usados. É uma prática tão disseminada que o governo chinês convocou uma reunião com montadoras para investigar o caso.

Vozes da indústria, como Wei Jianjun, presidente da Great Wall Motor, denunciam que essa prática distorce os dados de vendas, engana os consumidores e prejudica a estabilidade do mercado a longo prazo. Isso acontece em um momento em que quase todos os fabricantes estão envolvidos em uma guerra de preços cada vez mais acirrada.

Pressão para fabricar cada vez mais

A China descobriu o autoregistro, uma prática que algumas concessionárias e marcas utilizam no fim do trimestre ou do ano para atingir metas. Quando esses carros são registrados, são contabilizados como vendidos, mas, na prática, apenas aumentam o estoque de carros usados das chamadas concessionárias de km 0. Ninguém os comprou.

De acordo com Wei Jianjun, pelo menos 3 a 4 mil vendedores em plataformas chinesas de carros usados oferecem atualmente esse tipo de veículo — carros que são registrados e contabilizados como vendidos nas estatísticas, mas nunca foram dirigidos. Às vezes, ainda mantêm as proteções plásticas dos bancos e até o cheiro de carro novo.

Original Concessionária BYD em Shenzen

A tática surgiu em um momento em que a indústria automobilística chinesa já estava envolvida em uma guerra de preços há anos. Os fabricantes, pressionados a atingir metas de vendas agressivas, parecem ter encontrado nesse método uma maneira indireta de impulsionar seus números.

Na China, o mecanismo é relativamente simples: um fabricante “vende” oficialmente um veículo para uma concessionária ou parceira, a concessionária o registra, se beneficia de créditos e auxílios governamentais aplicáveis e, em seguida, o coloca no mercado de usados — mesmo que o veículo seja literalmente novo. Dessa forma, os fabricantes melhoram seus números de vendas, enquanto os consumidores têm acesso a veículos mais baratos.

Wei Jianjun fez um paralelo preocupante com a crise do superendividado grupo imobiliário Evergrande. “A Evergrande do setor automotivo já existe, mas ainda não entrou em colapso”, declarou. Tudo indica que essa prática encobre dificuldades estruturais semelhantes às do setor imobiliário.

Embora a prática não pareça ilegal à primeira vista, ela está chamando a atenção dos órgãos reguladores chineses, que demonstram preocupação com o possível uso abusivo de subsídios. O Ministério do Comércio convocou a Associação Chinesa de Fabricantes de Automóveis (CAAM), a Associação Chinesa de Concessionárias de Automóveis (CADA) e diversas plataformas de venda de carros usados para uma reunião de averiguação.

BYD Seal 07 DM-i BYD Seal 07 DM-i

A situação revela tensões do mercado chinês, impulsionado por anos com grandes subsídios públicos e auxílios diretos aos fabricantes, além de uma concorrência feroz. Forçados a crescer continuamente, os fabricantes parecem ter iniciado uma corrida para o fundo do poço, agora evidenciada pelo excesso de autoregistros.

Montadoras devem estabelecer metas razoáveis de produção e vendas anuais e não devem transferir estoques para as concessionárias, forçando-as a estocar veículos, segundo proposta da câmara de comércio do país. Além disso, as concessionárias “não devem ser coagidas a sair da rede e fechar suas lojas em nome da otimização dos canais de distribuição”.

Essa situação é um dos sintomas de que a guerra de preços por carros elétricos e híbridos plug-in (PHEVs) na China está atingindo limites insustentáveis para muitas fabricantes. Tanto que os reguladores chineses reagiram com crescente preocupação ao novo corte de preços iniciado pela BYD, com descontos de até US$ 7,6 mil em alguns modelos, deixando versões topo de linha, como o BYD Seal 7 DM-i, por menos de US$ 15 mil.

A Associação Chinesa de Fabricantes de Automóveis (CAAM) e o Ministério da Indústria e Tecnologia da Informação (MIIT) emitiram alertas públicos contra “guerras de preços desordenadas”, citando a queda nas margens de lucro em todo o setor — de 4,3% em 2024 para 3,9% no primeiro trimestre de 2025 — como evidência da crescente concorrência destrutiva.

A mídia estatal repercutiu as preocupações e alertou, segundo a CNC, que descontos agressivos poderiam repetir os erros da indústria de motocicletas, que acabou sendo expulsa do Sudeste Asiático devido a preços insustentáveis. E, não é segredo, há muitas marcas de automóveis na China, mas acredita-se que menos de 10 sobreviverão até 2030, caso a guerra de preços continue e a pressão por produção constante persista.

Imagens | guangcaiauto, Feisim Leoanu, BYD

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