Na verdade, já existe um celular “Made in USA”: ele se chama Liberty, é um modelo de baixo desempenho e mais caro que o iPhone 16 Pro

O "bom" para o Liberty Phone é que ele não é um celular feito para competir com o iPhone

Celular Made in USA iPhone 16 Pro. Imagem: Purism
Sem comentários Facebook Twitter Flipboard E-mail
sofia-bedeschi

Sofia Bedeschi

Redatora

Jornalista com mais de 5 anos de experiência no ramo digital. Entusiasta pela cultura pop, games e claro: tecnologia, principalmente com novas experiências incluídas na rotina. 

A guerra tarifária que os Estados Unidos iniciaram, agora mais focada na China do que nunca, reacendeu aquele antigo desejo de fabricar um "iPhone Feito nos EUA". O problema é que, hoje, fazer isso seria tão caro que talvez seja mais barato comprar um carro. Mesmo assim, esse suposto celular "nacional" já existe – e talvez seja o melhor exemplo de como essa ideia pode ser meio absurda.

Um celular (im)possível

Em um mercado dominado por gigantes que montam seus aparelhos na Ásia, o Liberty Phone é uma verdadeira raridade: um smartphone de 2 mil dólares que, segundo a Comissão Federal de Comércio (FTC), pode ostentar legalmente o selo "Feito nos Estados Unidos". Criado pela empresa Purism, esse dispositivo de entrada (basicamente uma versão modificada do Librem 5) não se destaca nem pelo desempenho nem pelo design, mas sim pelo lugar onde é feito e pela filosofia por trás dele.

Com apenas 4 GB de RAM e especificações consideradas ultrapassadas, o Liberty Phone não tenta competir com Apple ou Samsung. Em vez disso, aposta na soberania tecnológica, em uma cadeia de suprimentos auditada e em um processo de fabricação focado em segurança e transparência. O presente perfeito para Trump.

O caminho para a autonomia

O site 404 entrevistou Todd Weaver, fundador da Purism, que deu início ao projeto em 2014 com uma visão bem clara: construir tecnologia ética e controlável. Weaver explicou que, para chegar ao ponto de fabricar um celular totalmente em solo americano, a empresa começou desenvolvendo laptops, treinou engenheiros eletrônicos e, no início, colaborou com fabricantes chineses para entender profundamente os processos industriais.

Em 2020, após três anos de protótipos, a Purism conseguiu lançar o Librem 5 USA, produzido e montado em Carlsbad, Califórnia. Lá, desde a fabricação da placa-mãe até a montagem final e a instalação do sistema operacional próprio, todo o processo é feito internamente.

Produção singular

A Purism não se limita a montar peças importadas. O processo inclui a fabricação eletrônica completa: soldagem de resistores, capacitores e circuitos integrados na placa, controle de qualidade, carregamento do firmware e montagem final do aparelho, tudo sob o mesmo teto.

Embora alguns componentes (como os cristais para temporização) ainda precisem ser importados da China ou da Coreia do Sul por falta de fornecedores ocidentais, a empresa sempre priorizou comprar o máximo possível de distribuidores ou fabricantes americanos e europeus. Além disso, publica a lista completa de materiais e mantém seu código-fonte aberto para verificação pública.

Custos e margens

Somando tudo, o Liberty Phone custa cerca de 650 dólares em materiais e fabricação – uma margem relativamente apertada em comparação ao seu preço final, mas necessária para manter uma linha de produção nacional, focada em segurança institucional, defesa e usuários com demandas críticas de privacidade.

Diferente de outras empresas, a Purism não se apoia em marketing agressivo ou montagem terceirizada. Em vez disso, opera com uma estrutura própria, que inclui engenharia interna, controle vertical e uma forte base ideológica.

Em outras palavras: em um mercado onde é comum projetar na Califórnia e montar, por exemplo, em Shenzhen, a proposta da Purism é, no mínimo, disruptiva.

Resiliência em tempos instáveis

E, de repente, o telefone da Purism volta a ser destaque. A guerra comercial entre Estados Unidos e China trouxe uma volatilidade que preocupa muitas empresas de tecnologia. Nesse cenário, a Purism, ao produzir localmente, não depende de tarifas imprevisíveis nem de cadeias logísticas vulneráveis. Enquanto outras companhias precisam especular com compras e importações, a Purism opera com independência.

Essa estabilidade operacional não só fortalece sua vantagem competitiva, mas também reforça a importância de ter uma indústria tecnológica autônoma em um mundo cada vez mais polarizado.

Mais do que um projeto político no sentido partidário, o Liberty Phone é, na verdade, uma aposta geopolítica. Weaver explicou ao 404 que enxerga a soberania tecnológica como uma necessidade estratégica: "produzir hardware crítico em países hostis, sem saber exatamente o que há em cada chip, não é compatível com os ideais de privacidade nem com a segurança nacional."

Sob essa perspectiva, a empresa não vende apenas um celular – ela oferece controle, verificabilidade, transparência e, acima de tudo, independência. Claro, tudo isso tem seu "preço".

Inicio