Se a pergunta é o que um drone ucraniano está fazendo a 2.000 km de casa, a resposta é simples: levando a guerra para o Mediterrâneo

O Mediterrâneo surge subitamente como um potencial cenário de confronto

Se a pergunta é o que um drone ucraniano está fazendo a 2.000 km de casa, a resposta é simples: levando a guerra para o Mediterrâneo.
Sem comentários Facebook Twitter Flipboard E-mail
fabricio-mainenti

Fabrício Mainenti

Redator

Durante meses, a chamada "guerra dos petroleiros" entre a Ucrânia e a Rússia permaneceu confinada a uma área relativamente limitada: o Mar Negro e seus pontos de acesso imediatos. Ali, ataques navais e aéreos com drones contra navios ligados a Moscou tornaram-se uma extensão lógica do conflito, uma maneira indireta, porém eficaz, de prejudicar as receitas energéticas russas sem confrontar diretamente seus navios de guerra. Até agora.

Uma linha invisível

Tudo mudou radicalmente com o ataque ao petroleiro Qendil em pleno Mediterrâneo, representando um salto qualitativo sem precedentes. Não apenas pela distância (mais de 2.000 quilômetros do território ucraniano), mas também porque demonstra que Kiev está preparada para levar essa campanha muito além do teatro de operações tradicional, desafiando a noção de que as rotas marítimas europeias estariam a salvo de guerras.

A frota fantasma

O Qendil, um petroleiro de bandeira omanita construído em 2006, não foi escolhido ao acaso. Antes de seguir para a Índia, o navio partiu do porto russo de Novorossiysk, um importante ponto de escoamento do petróleo russo para o mercado global. Tanto a União Europeia, quanto o Reino Unido o consideram parte da chamada "frota paralela", a rede de embarcações que a Rússia utiliza para burlar as sanções por meio de mudanças de bandeira, estruturas de propriedade opacas e rotas planejadas para ocultar a responsabilidade legal.

Para a Ucrânia, esses navios não são meros ativos comerciais, mas uma extensão direta do esforço de guerra russo, uma fonte de receita que alimenta a guerra. Portanto, o Serviço de Segurança da Ucrânia defendeu o ataque como um objetivo legítimo sob o direito dos conflitos armados.

Uma operação cirúrgica

Segundo fontes do SBU (Serviço de Segurança da Ucrânia), o ataque foi uma “operação especial sem precedentes”, realizada pelo seu Grupo Especial Alfa utilizando drones do tipo bombardeiro. Imagens divulgadas mostram munições caindo no convés do navio a partir de um hexacóptero, sugerindo um ataque de curto alcance lançado de uma plataforma próxima, provavelmente uma embarcação.

Dados de rastreamento indicam que o petroleiro navegava entre Malta e Creta quando fez uma curva acentuada e mudou de rumo em direção a Port Said, no Egito, uma manobra que reforça a ideia de que algo anômalo ocorreu naquele ponto da sua viagem. Embora o navio estivesse vazio no momento do ataque (o que reduz o risco ambiental), o SBU afirma que ele sofreu danos críticos que o tornam inutilizável para o seu propósito original.

Imagem | X

A mensagem

Além dos danos físicos, o ataque tem enorme valor simbólico e estratégico. Ele ocorre no mesmo dia em que o presidente russo, Vladimir Putin, alertou que cortaria o acesso da Ucrânia ao mar em retaliação aos ataques à frota paralela.

A resposta de Kiev parece clara: se a Rússia pode financiar sua guerra exportando petróleo por rotas cada vez mais distantes, essas rotas também podem se tornar um campo de batalha. A afirmação do Serviço de Segurança da Ucrânia (SBU) de que a Ucrânia "atacará o inimigo em qualquer lugar do mundo" não é mera retórica; é um sinal para armadores, seguradoras e governos de que o conflito não está mais confinado a um mar específico.

Ecos de outras guerras

Esse tipo de ataque lembra a guerra secreta que o Irã e Israel travam há anos contra navios mercantes no Oriente Médio, uma campanha de sabotagem direcionada, concebida para enviar mensagens políticas sem escalar para um conflito aberto.

Tudo indica que a Ucrânia estudou esse modelo e o está adaptando à sua própria guerra, usando drones relativamente baratos para impor custos desproporcionais ao adversário. A possibilidade de empregar drones de longo alcance no futuro, mesmo com conexões via satélite como a Starlink, sugere que o alcance operacional poderia ser ainda maior.

Consequências marítimas

O ataque ao Qendil introduz um novo elemento de incerteza no Mediterrâneo. Embora o alvo estivesse diretamente ligado à Rússia, o simples fato de drones armados poderem operar contra navios mercantes em águas tão movimentadas obriga o setor marítimo a repensar medidas de segurança, rotas e seguros.

Para Moscou, a mensagem é perturbadora: sua frota paralela, estimada em mais de mil navios e essencial para sustentar suas exportações de petróleo bruto, não está mais protegida pela distância geográfica. Para a Europa, é um lembrete incômodo de que uma guerra que começou em terra e no Mar Negro agora projeta sua sombra sobre um dos principais corredores comerciais do planeta.

Um conflito em expansão

Além disso, o ataque ao Qendil não é apenas uma ação tática, mas uma declaração implícita de que a guerra marítima está entrando em uma nova fase. A Ucrânia demonstra que pode estender a pressão econômica e militar a áreas antes consideradas periféricas, enquanto a Rússia ameaça responder sem esclarecer como.

Entre eles, o Mediterrâneo surge repentinamente como um palco potencial para um confronto que ninguém declarou formalmente, mas que já começa a ser sentido no transporte marítimo comercial. Como tantas vezes nesta guerra, a fronteira entre a vida militar e a civil está se tornando cada vez mais tênue, e a sensação de que não existem zonas completamente seguras começa a se espalhar muito além das linhas de frente.

Imagem | X

Inicio