Mais de três anos após o início da invasão russa, a guerra na Ucrânia virou um conflito que parece não ter fim à vista, preso numa lógica de desgaste lento e cumulativo, em que cada metro conquistado custa semanas de combates e um fluxo constante de recursos. Nesse cenário, a fronteira entre alta tecnologia militar e engenho elementar para sobreviver tem se tornado cada vez mais tênue: drones com IA coexistem com armadilhas improvisadas, robôs armados com soluções nascidas da escassez e a inovação mais avançada se mistura com a criatividade crua daqueles que lutam diariamente para continuar vivos.
Assim, a Ucrânia acaba de encontrar algo: alto-falantes.
Contra uma potência superior
O comando ucraniano assume que o conflito se tornou uma guerra de desgaste na qual a Rússia parte com vantagem estrutural em termos de população, indústria e capacidade de reposição, pelo que a estratégia passa por maximizar as perdas inimigas enquanto minimiza as suas próprias.
Oleksandr Syrskyi, comandante chefe das Forças Armadas da Ucrânia, descreveu recentemente esta abordagem com clareza: a Ucrânia não pode vencer em volume, mas pode vencer aumentando constantemente o custo humano e material que Moscou tem de pagar para avançar, e para isso tornou os sistemas não tripulados o eixo central da sua forma de combater, tanto a nível tático como psicológico.
Drones que atacam a mente
Uma das inovações mais marcantes é o uso de drones equipados com alto-falantes, empregados não para destruir diretamente, mas para enganar e desgastar o inimigo. Esses drones reproduzem sons de veículos militares que simulam ataques iminentes, forçando as unidades russas a lançar drones de reconhecimento e munições de uso único que não podem ser recuperadas, revelando também suas posições.
A troca é radicalmente assimétrica: a Ucrânia utiliza um sistema barato e reutilizável para obrigar o adversário a desperdiçar recursos valiosos e limitados.
A variante mais inquietante dessa tática leva a guerra psicológica a um novo nível, com drones que emitem gravações em russo de gritos de socorro, gemidos ou chamadas desesperadas e comoventes pedindo ajuda. Em essência, os drones estão se disfarçando de recrutas russos.
Em uma frente saturada de tensão, essas vozes exploram reflexos humanos básicos e levam os soldados russos a abandonar posições seguras para verificar a origem do som, momento em que ficam expostos à artilharia ou aos drones de ataque já preparados. Não se trata apenas de matar mais, mas de induzir erros, minar a confiança e transformar a compaixão em uma vulnerabilidade tática.
O clima a favor
A névoa espessa, a chuva gelada e o vento reduziram a eficácia dos drones FPV ucranianos em setores chave, permitindo avanços russos recentes, mas a resposta foi integrar drones aéreos com robôs terrestres ocultos em rotas de aproximação.
Esses sistemas detectam a passagem de veículos inimigos e transmitem dados precisos aos operadores que posicionam drones de ataque a baixa altitude, usando a própria neblina como cobertura e esperando emboscados até que o alvo entre na zona de impacto, uma solução que se mostrou eficaz para deter blindados sem expor a infantaria.
O uso de veículos terrestres não tripulados armados ilustra até que ponto a Ucrânia busca substituir soldados por máquinas em missões letais, como demonstra o uso do Droid TW 12.7, equipado com uma metralhadora pesada M2 Browning.
Laboratório do futuro
Em última análise, todo esse conjunto de táticas depende de uma indústria ucraniana que acelerou o desenvolvimento de drones com navegação aprimorada, visão computacional, controle assistido por IA e recursos de enxame, implantando-os rapidamente nas linhas de frente para testes de combate no mundo real.
O resultado é um ciclo contínuo de adaptação no qual a tecnologia e a doutrina evoluem juntas, transformando a linha de frente em um campo de testes (o que vem ocorrendo na prática nos últimos três anos) que não só está moldando o curso da guerra atual, mas também a forma como os conflitos futuros serão travados.
Imagem | RawPixel
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