Geralmente, fábricas clandestinas não causam um incidente diplomático. Mas a indústria russa descoberta por oficiais da Agência Brasileira de Inteligência vai causar um certo mal estar no próximo encontro entre o presidente Lula e Vladmir Putin. A descoberta revelada pelo jornal New York Times nessa quarta-feira, 21/5, pode ser considerada uma traição.
Em busca do CPF próprio
Nos últimos três anos, oficiais da Abin investigaram a suspeita de que russos estavam vindo para o Brasil e fingindo serem brasileiros. Eles se mudavam para o país, falavam português com um sotaque quase perfeito, tinham relacionamentos e abriam empresas. Eles conseguiam até mesmo documentos verdadeiros com o nome da nova identidade. O caso se extendeu por tanto tempo e tantos russos viveram como brasileiros que os oficiais afirmam que era uma "fábrica de espiões".
Foram pelo menos nove oficiais russos vivendo no Brasil que nunca haviam sido identificados ainda. O objetivo não era espionar o país, mas tornar-se brasileiro e conseguir o valioso passaporte azul. A miscigenação do povo brasileiro faz com que qualquer pessoa possa usar o documento sem levantar suspeitas. Assim que o documento oficial fosse emitido, os russos aguardavam a ordem para partir para outros países, entre eles os Estados Unidos, países da Europa ou do Oriente Médio.
Investigação começou após ataque à Ucrânia
A investigação começou depois que a CIA informou a Abin sobre um russo que tentou entrar na Holanda usando um passaporte brasileiro e o nome Victor Muller Ferreira. Ele começaria um estágio na Corte Criminal Internacional, órgão que investigaria crimes de guerra cometidos pela Rússia na Ucrânia. Após ser barrado no aeroporto, Victor foi enviado para São Paulo e, depois de alguns dias em um hotel, foi detido sob a alegação de uso de documentos falsificados.
O problema é que ele possuía passaporte, certificado de reservista e título de eleitor verdadeiros. Somente quando os policiais encontraram a certidão de nascimento brasileira do russo é que o caso começou a andar.
Os documentos do espião, que na verdade se chamava Sergey Cherkasov, apontavam que ele nasceu no Rio de Janeiro em 1989. A mãe era uma mulher que morreu em 1993 e o pai não existia. Para os policiais, a família da mulher citada como mãe de Victor Muller afirmaram que ela não teve filhos. A certidão de Victor era verdadeira, mas as informações eram falsas.
Fantasmas russos assombrando o Brasil
Depois de identificar o espião, a Polícia Federal começou a procurar por "fantasmas": pessoas adultas que possuíam certidão de nascimento brasileira mas não tinham nenhum registro de infância ou adolescência no sistema do governo brasileiro e que começaram a tirar vários documentos ao mesmo tempo (identidade, CPF, passaporte, etc).
Entre os "fantasmas" encontrados estava Gerhard Daniel Campos Wittich, empresário do Rio de Janeiro que na verdade se chama Artem Shmyrev. Além da empresa de impressão 3D, ele também tinha amigos e uma namorada que não desconfiaram de nada. Pouco antes da polícia prendê-lo, Shmyrev viajou para Malásia e nunca mais voltou.
Espiões em fuga
Outros quatro espiões russos que tiveram passagem pelo Brasil fugiram do país antes de serem presos. Apenas Serguey Cherkasov foi preso, e continua atrás das grades até hoje. Ele foi condenado por falsificação de documentos e condenado a 15 anos, mas a pena foi reduzida para cinco. O Kremilin tentou fazer com que o governo brasileiro o extraditasse afirmando que o espião era um traficante de drogas procurado. A justiça brasileira então disse que, se isso fosse verdade, Cherkasov teria que ficar mais tempo na prisão até que as investigações da acusação de tráfico de drogas terminassem.
Enquanto os outros espiões continuam foragidos, a PF conseguiu um jeito de puní-los e impedir que eles entrem despercebidos em outros países: pediram para a Interpol lançar um alerta com as fotos e nome dos russos sob a acusação de falsificação de documentos. Parece que nunca mais eles vão sair de Moscou.
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