Há menos de dois anos, autoridades europeias avaliaram os riscos de a China controlar a Nexperia por meio da Wingtech e deram sinal verde. Esta semana, a Holanda usou uma lei de emergência de 1952 para confiscar a mesma empresa, alegando que ela é estratégica para a segurança europeia.
Por que isso importa
Pior do que ser rigoroso ou frouxo demais é ser vacilante. A Europa demonstrou que não possui um critério consistente para definir o que é estratégico e o que não é. Essa inconsistência tem um custo enorme: qualquer empresa que queira investir em setores de tecnologia na Europa sabe agora que as regras podem mudar retroativamente, sem aviso prévio, sob pressão externa. E isso afasta os investimentos.
A contradição:
- Se a Nexperia era tão estratégica para a Europa, por que foi autorizada a ser vendida a um consórcio apoiado pelo governo chinês em 2017?
- Se não era naquela época, o que mudou agora para justificar um confisco usando uma lei criada para crises de abastecimento?
A única resposta possível é que alguém calculou muito, muito mal.
Nas entrelinhas
O editorial do Financial Times é direto: a Holanda cometeu um erro ao aprovar a venda e agora está tentando corrigi-lo. O problema é que essa reviravolta abre um precedente tóxico. Você pode contornar todos os filtros regulatórios, investir bilhões, operar por anos sob supervisão europeia e, de repente, o Estado decide que cometeu um erro.
Quando a Wingtech comprou a Nexperia em 2019 , os reguladores europeus tiveram tempo de sobra para bloquear o negócio. Mas não o fizeram. Há anos, a Nexperia opera na Holanda, fabricando milhões de componentes anualmente para as indústrias automotiva e de eletrônicos de consumo europeias. Tudo legal, tudo supervisionado, tudo aprovado.
Ponto de virada
O que mudou não foram as capacidades tecnológicas da Nexperia nem sua importância estratégica. O que mudou foi a pressão geopolítica:
- Os Estados Unidos colocaram a Wingtech na lista negra em 2024.
- Em setembro de 2025, o governo dos EUA estendeu as restrições a todas as subsidiárias de empresas sancionadas.
- Documentos judiciais no caso sugerem que a Holanda agiu sob pressão dos EUA, não com base em sua própria avaliação de risco.
Sim, mas a Wingtech está certa sobre um ponto: trata-se de "interferência excessiva motivada por viés geopolítico, em vez de uma avaliação de risco baseada em fatos". É exatamente o oposto do que os reguladores fizeram quando aprovaram a venda. Eles avaliaram os riscos com base em fatos. Agora, estão confiscando com base em geopolítica.
O rastro do dinheiro
A Nexperia investiu em suas instalações europeias sob o comando de Zhang Xuezheng. A empresa manteve a produção na Holanda, criou empregos e pagou impostos. Fez exatamente o que um investidor deve fazer. A recompensa foi o confisco, segundo uma lei de 1952, e um CEO suspenso, sem acusações formais de má gestão até que fosse conveniente encontrá-los.
O caso tem uma reviravolta adicional que lembra perigosamente a Huawei em 2018-19:
- Primeiro vêm as restrições ocidentais para a segurança nacional.
- Depois as contramedidas chinesas.
Dias após a intervenção holandesa, o Ministério do Comércio chinês proibiu a Nexperia de exportar certos componentes de sua fábrica em Guangdong. A empresa agora está presa entre dois países que não se comunicam. A Huawei era enorme e conseguiu se manter. A Nexperia é de médio porte, e veremos o que acontece com ela.
Está em jogo
- 12.500 funcionários sem saber o que acontecerá com seus empregos.
- Um CEO suspenso em Amsterdã.
- Uma proibição de exportação da China.
- Clientes de automóveis europeus dependem de seus chips.
Tudo isso porque há menos de dois anos alguém aprovou uma venda após "avaliar os riscos", e agora descobriu-se que esses riscos eram inaceitáveis.
Se a Europa quiser atrair investimentos em tecnologia, precisa de critérios claros e estáveis para definir quais setores são estratégicos. O que ela não pode fazer é aprovar operações por anos e depois confiscar empresas quando os ventos geopolíticos mudarem. Isso não é proteger a soberania tecnológica; é improvisação disfarçada de segurança nacional.
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