Tendências do dia

Coreia do Sul oferece quase R$ 80 mil para jovens se casarem com programa de incentivo a namoro, mas eles não dão a mínima

As autoridades estão promovendo programas para formar casais, com um sucesso bastante discreto

Nem mesmo com diversos incentivos financeiros os jovens coreanos topam se casar / Imagem: Jordi Sánchez (Flickr)
Sem comentários Facebook Twitter Flipboard E-mail
victor-bianchin

Victor Bianchin

Redator

Victor Bianchin é jornalista.

Com 14 mil dólares (cerca de R$ 80 mil), é possível quitar dívidas, tirar alguns meses sabáticos para viajar pelo mundo ou investir naquele negócio que está na sua cabeça há anos. O que não dá para fazer é juntar dois sul-coreanos para que se casem, formem uma família e tenham filhos que ajudem o país a sair da profunda crise de natalidade em que está mergulhado há anos. Sabemos disso porque há governos na Coreia que já abriram o bolso na tentativa de atuar como casamenteiros. Tudo sem sucesso.

Mais do que isso, esse esforço do governo para incentivar os relacionamentos está tendo um efeito peculiar: transformou a solteirice em um verdadeiro negócio.

Questão de amor... e dinheiro

Em seu esforço para sair do buraco demográfico em que está há algum tempo, a Coreia do Sul não hesitou em abrir o bolso. Seu raciocínio é simples: se a natalidade puder ser incentivada com dinheiro, o governo está disposto a colocá-lo na mesa. Nos últimos meses, as autoridades do país propuseram entregar generosos "cheques-bebê" aos cidadãos, oferecer incentivos fiscais às famílias com filhos, ampliar as licenças parentais e até garantir que as novas mães tenham acesso a alimentos selecionados.

Outra das grandes apostas do país tem sido juntar seus jovens. E isso passou tanto por criar programas pensados especificamente para que os solteiros encontrem o amor como por facilitar as coisas no plano econômico, oferecendo dinheiro para que o custo de um jantar romântico não seja um obstáculo. Pode parecer exagerado, mas há um dado que explica isso: na Coreia do Sul, relacionamento e natalidade andam de mãos dadas. Tanto que menos de 5% dos bebês nascem fora do casamento.

De quanto dinheiro estamos falando? De muito. Grande parte dos programas de formação de casais na Coreia do Sul parte de órgãos regionais, o que faz com que o cenário varie de uma região para outra do país; mas basta uma busca rápida no Google para encontrar notícias de cidades ou distritos que tentam impulsionar a natalidade com caríssimos programas de emparelhamento.

Em Busan, uma das principais áreas metropolitanas da Coreia do Sul e que está sofrendo os efeitos da crise demográfica de forma particularmente intensa, o governo resolveu abençoar os novos casais com centenas de dólares.

Dessa forma, o dinheiro deixa de ser um obstáculo para arranjar uma namorada (ou namorado). Em junho, o The Korea Herald informou que um dos distritos de Busan, Saha-gu, estava planejando um projeto-piloto com solteiros locais nascidos entre 1981 e 2001, aos quais oferecia R$ 2 mil (para gastarem em encontros) apenas por “dar match” com alguém. Ou seja, cada casal que saísse do evento de mãos dadas e com planos de se ver novamente teria R$ 4 mil para investir no romance.

Um número: 20 milhões de wons (R$ 80 mil)

Aqueles R$ 2 mil por pessoa para curtir a dois eram apenas a primeira parte do programa de Saha-gu. A ideia era aumentar o apoio à medida que o relacionamento avançasse até chegar ao grande presente de casamento: 20 milhões de wons adiantados para os casais que dissessem o “sim”, cerca de R$ 80 mil. O distrito chegou até a se mostrar disposto a oferecer aos recém-casados um valor maior de entrada se decidissem comprar uma casa ou ajudá-los com o aluguel.

Apostar tanto faz mais sentido à luz das estatísticas demográficas da cidade metropolitana de Busan: se, no começo dos anos 1990, a população passava dos 3,8 milhões de habitantes, em 2010 estava em 3,4 milhões. A tendência acompanha o restante do país, que, no final de 2024, se tornou uma “sociedade superenvelhecida”, com 20% da população acima dos 65 anos.

Essas ajudas funcionam? Essa era a grande pergunta que ficava no ar e acaba de ser respondida pelo The Wall Street Journal (TWSJ) em uma reportagem cujo título é quase uma sentença: “Nem mesmo um auxílio governamental de 14 mil dólares consegue fazer com que os solteiros da Coreia do Sul se casem”. Apesar da promessa de receber um presente de casamento de 14 mil dólares (R$ 80 mil), o programa de Saha-gu não teve muito sucesso. O TWSJ afirma que nenhum participante requisitou essa recompensa.

E isso sendo que o programa de Saha-gu é apenas uma das ajudas às quais os casais podem recorrer. O TWSJ lembra que nem todo o apoio vem das administrações: há também empresas e organizações religiosas tentando reverter a crise demográfica do país. Dois exemplos são a construtora Booyoung Group, que ofereceu 75 mil dólares (R$ 425 mil) aos funcionários que tiverem um filho; e a Igreja do Evangelho Pleno de Yoido, que concede a seus membros quase 1.400 dólares (R$ 8 mil).

Com incentivos desse tipo, a pergunta é evidente: por que os sul-coreanos não se casam? Por que a natalidade continua muito abaixo dos níveis de anos atrás? Parte da resposta está nas mudanças sociais e culturais.

Por que não dá certo

O TWSJ cita uma pesquisa recente que mostra que três quintos dos sul-coreanos com emprego não veem nenhum problema em não se casar — um fator ao qual se somam outras questões econômicas, como as longas jornadas de trabalho, o aumento do custo de vida ou o quanto é oneroso criar filhos em uma sociedade marcada por altos níveis de exigência e competitividade.

Outro ponto-chave são as dificuldades que as mulheres enfrentam para retornar ao mercado de trabalho após a maternidade. Na verdade, há programas de namoro que acabaram suspensos justamente por não conseguirem reunir um número suficiente de mulheres interessadas. Outros jovens simplesmente deixam de se inscrever por causa da burocracia pesada que acompanha esse tipo de iniciativa. “É mais problemático do que você imagina”, reconheceu um deles ao TWSJ.

O governo é um bom cupido? Essa é outra grande pergunta, sobretudo se levarmos em conta que programas como os de Seul ou Saha-gu vêm ganhando força no país. Há alguns meses, um político do Partido Democrático da Coreia fez as contas e concluiu que, em 2024, pelo menos 30 governos locais do país haviam promovido cerca de 34 iniciativas de emparelhamento. O resultado? Quase nada.

“No total, 4.060 pessoas participaram de programas de emparelhamento de governos locais nos últimos três anos, mas apenas 24 acabaram se casando”, concluiu. É verdade que, em 2024, a Coreia conseguiu aumentar seu número de nascimentos pela primeira vez em nove anos (+3,6%) e os casamentos subiram 14,9%; mas ainda há dúvidas sobre até que ponto esses números indicam uma mudança real de tendência ou se são fruto de fatores circunstanciais, como os planos de paternidade e casamento adiados durante os anos de pandemia.

Imagens | Jordi Sánchez (Flickr)

Este texto foi traduzido/adaptado do site Xataka Espanha.

Inicio