As imagens de satélite nos permitem enxergar nosso planeta sob outra perspectiva. Essas fotos funcionam como capturas de tela para analisar como o passar do tempo afeta, por exemplo, o meio ambiente, mas também para revelar segredos de outra natureza. Um exemplo recente disso foi quando apareceu na Coreia do Norte uma construção imponente que deixava poucas dúvidas: era uma fragata inacabada que estava sendo apresentada publicamente.
E não ficou muito tempo à vista.
Um fracasso naval
Aconteceu nesta sexta, 23/5. A cerimônia de lançamento da segunda fragata mais avançada da Coreia do Norte, realizada no porto de Chongjin com a presença do próprio Kim Jong Un, terminou em desastre quando o navio virou de lado após uma falha técnica durante seu lançamento lateral. Imagens de satélite posteriores mostram a embarcação tombada ao lado do cais, parcialmente afundada e coberta com lonas azuis para ocultar o acidente.
O incidente, qualificado pelo próprio Kim como um “ato criminoso” fruto de uma “negligência absoluta”, foi reconhecido publicamente de forma incomumente rápida pelos meios estatais, numa tentativa de se antecipar à inevitável divulgação das imagens por satélite. A investigação oficial aponta para uma falha nos bogies (os carrinhos que sustentam o casco durante o deslizamento), que causou um desprendimento assimétrico e o consequente desequilíbrio estrutural. Kim exigiu uma restauração urgente antes da reunião plenária do Comitê Central do Partido em junho, embora especialistas duvidem que isso seja possível, dada a magnitude dos danos.
Um símbolo afundado
A fragata sinistrada pertence à mesma classe da Choi Hyon, lançada em abril no porto ocidental de Nampo, e é, com suas estimadas 5.000 toneladas, a maior embarcação de guerra norte-coreana até hoje. Projetada não só para defesa costeira, mas também para operações de projeção estratégica, a classe Choi Hyon se destaca por suas 74 células de lançamento vertical de mísseis (VLS) que podem abrigar desde projéteis balísticos até mísseis de cruzeiro supersônicos ou defesas antiaéreas avançadas.
O New York Times relatou que a velocidade de construção dessas fragatas, sem precedentes no país, sugere uma campanha um tanto apressada e politicamente motivada, mais focada em propaganda do que na operacionalidade naval. De fato, durante os testes de armamento da Choi Hyon, suspeitou-se que ela ainda não possuía sistemas de propulsão completos, o que reforça a ideia de que etapas chave do desenvolvimento foram ignoradas para cumprir os prazos do regime.
Ao que parece, o método utilizado (lançamento lateral, pouco comum na Coreia do Norte) exigia uma distribuição precisa do peso ao longo do casco, assim como uma infraestrutura especializada. Segundo análise do CSIS (Center for Strategic & International Studies), a falha pode ter sido causada pelo mau estado ou instalação inadequada dos trilhos do deslizamento lateral, agravada pelo fato de que o estaleiro de Hambuk, escolhido para construir essa segunda fragata, não tem experiência com embarcações de grande tonelagem.
Tradicionalmente, esse estaleiro tem se limitado a embarcações menores, como cargueiros ou patrulhas, o que gera dúvidas sobre sua adequação para um programa de tamanho porte. Além disso, o uso simultâneo de guindastes e barcaças, detectado dias antes do lançamento, pode ter contribuído para o colapso estrutural.
Impacto político e consequências
Uma falha desse calibre sempre traz consequências, mas em um lugar como a Coreia do Norte, talvez ainda mais. Para além do erro técnico, o incidente representa um revés considerável para as aspirações navais de Kim Jong Un, que busca transformar a Marinha Popular Coreana (KPN) em uma força capaz de realizar operações ofensivas estratégicas em águas abertas. O fracasso não só põe em xeque essa narrativa, mas também expõe a vulnerabilidade de um programa que mistura ambição desmedida com capacidades industriais insuficientes.
Kim prometeu punições severas aos responsáveis, o que pode se traduzir em repercussões pessoais para engenheiros e oficiais do estaleiro. Embora ainda não tenha sido determinado se a embarcação é uma perda total, sua recuperação parece improvável no curto prazo, sendo que qualquer atraso compromete diretamente o cronograma político do regime.
Como destacado pelo Washington Post, esse programa de fragatas, mais do que construir uma força naval realmente capaz, parece voltado a reforçar a imagem da Coreia do Norte como uma potência militar autossuficiente perante sua população (e o mundo). A presença de Kim nos testes, o emprego de mísseis experimentais e a fanfarra midiática que cercou a classe Choi Hyon indicam que o objetivo era mais prestigioso do que tático.
Ainda assim, a simples existência dessas plataformas, potencialmente armadas com mísseis nucleares, representa uma ameaça latente que, claro, não deve ser subestimada. Nesse contexto, o fracasso do lançamento em Chongjin não é apenas um revés técnico: é um golpe simbólico no coração da narrativa estratégica de Pyongyang.
Imagem | Maxar Technologies, CSIS
Este texto foi traduzido/adaptado do site Xataka Espanha.
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