A Coreia do Norte construiu um resort tão grande que agora enfrenta outro problema: encontrar turistas para preenchê-lo

O hiperbólico resort de Pyongyang promete ser um dos mais imponentes do planeta. Agora, terá que encontrar o turismo

Uma Fernando de Noronha norte-coreana? Esse é o plano de Kim Jong Un, mas os especialistas duvidam / Imagem: Diego Delso, Clay Gilliland
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Victor Bianchin

Redator

Victor Bianchin é jornalista.

Em outubro de 2024, foi confirmado o plano que a Coreia do Norte tinha em mãos: turbinar seu turismo, já que esse setor se tornou o motor econômico de tantas nações. Assim, o país anunciou que o ambicioso projeto de transformar a cidade de Wonsan em uma espécie de Fernando de Noronha coreana seguia de vento em popa. A ideia agora está prestes a se tornar realidade, chama-se Wonsan Kalma e o número de quartos saiu completamente do controle.

Um resort sem igual

O ambicioso projeto turístico de Kim Jong Un na península de Kalma, na costa leste da Coreia do Norte, busca se posicionar como um dos maiores complexos de férias do mundo. A intenção é ter uma capacidade estimada entre 7.000 e 20.000 quartos.

Concebido como uma cidade turística construída do zero, o resort Wonsan Kalma é descrito por analistas como o maior projeto turístico já promovido pelo regime. Anunciado lá em 2014, o complexo sofreu múltiplos atrasos atribuídos a sanções internacionais e, depois, devido ao fechamento das fronteiras durante a pandemia. No entanto, sua abertura está prevista para junho deste ano e o regime já ensaia uma tímida reabertura ao turismo internacional, embora a viabilidade econômica do resort continue sendo profundamente incerta.

Turismo como estratégia

Kim concebe o resort não apenas como fonte de receita em moeda estrangeira, mas também como vitrine do poder e da modernidade de seu regime. Ainda assim, o apelo do local é questionável: especialistas como Bruce W. Bennett e Marcus Noland expressaram nesta semana dúvidas sobre a capacidade de atrair visitantes estrangeiros em quantidade suficiente para justificar o investimento descomunal.

A lógica por trás do projeto, que presumivelmente busca atrair turistas sul-coreanos por sua proximidade e poder aquisitivo, esbarra na impossibilidade diplomática de permitir sua entrada. Enquanto isso, agências russas começaram a oferecer pacotes turísticos para os cidadãos de Vladivostok, mas mesmo ali o entusiasmo é duvidoso. Os viajantes russos, segundo os próprios operadores, ainda preferem destinos tradicionais como Tailândia e Dubai.

Oásis restrito ao consumo interno

Diante disso, outra estratégia plausível do regime seria aproveitar o resort como mecanismo de controle e recompensa interna. Segundo a reportagem do Business Insider, as instalações poderiam ser usadas como incentivo para cidadãos leais ou trabalhadores exemplares. Além disso, o complexo foi projetado com áreas reservadas para delegações e suítes presidenciais.

O problema? Como aponta Bennett, o acesso será rigidamente segregado, principalmente para evitar que cidadãos norte-coreanos entrem em contato com visitantes estrangeiros. Essa estrutura reforça o caráter propagandístico do resort que, a princípio, serviria mais como vitrine política do que como centro de turismo real (algo semelhante à “pequena Manhattan” que construíram recentemente).

Limitações estruturais

Apesar do esforço monumental, o projeto carrega muitos dos problemas endêmicos do regime. A falta de experiência norte-coreana na indústria hoteleira e a rígida censura estatal são obstáculos importantes para oferecer uma experiência turística crível.

Além disso, a história recente do Hotel Ryugyong (aquele arranha-céu inacabado há décadas e símbolo do fracasso grandioso norte-coreano) permanece como um alerta constante. Soma-se a isso o medo de Kim em relação ao livre fluxo de informação, algo incompatível com a lógica do turismo contemporâneo. Por isso, ainda que o projeto se revista de modernidade e luxo, é provável que acabe se tornando apenas mais um cenário monumental, sem turistas suficientes e útil apenas como ferramenta de propaganda. Existem vários exemplos semelhantes.

Uma carta “diplomática”

Paralelamente, o complexo pode ser visto como uma peça no tabuleiro diplomático. Em 2018, Trump havia sugerido a Kim que aproveitasse suas “grandes praias” para o desenvolvimento econômico, e não se descarta que o resort seja usado justamente como gesto simbólico em futuras negociações, especialmente se Pyongyang buscar reconhecimento como potência nuclear. Vale lembrar que o país já serviu como “resort” para soldados russos.

Nesse contexto, Kalma pode sempre oscilar, seja como promessa ou como ameaça: pode ser usado para mostrar abertura ou para reforçar o culto ao líder. Se for assim, Kim Jong Un, decidido a se diferenciar de seus predecessores, pode ver em “sua Fernando de Noronha” não apenas um destino turístico, mas uma declaração política ao mundo.

Imagem | Diego Delso, Clay Gilliland

Este texto foi traduzido/adaptado do site Xataka Espanha.

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