O Wall Street Journal trouxe uma história curiosa: nos últimos anos, o crescimento do colecionismo adulto de Lego transformou ambientes domésticos inteiros em mundos em miniatura, cuidadosamente projetados e cheios de detalhes — paisagens urbanas, praias com banhistas e parques de diversões funcionais.
Entre todos os casos, o de Cristie North, em Salt Lake City, é especialmente representativo: ela derrubou paredes, reformou seu porão e gastou mais de 100 mil dólares para construir e exibir sua cidade Lego, à qual se acessa por meio de um leitor de impressão digital e que ela cogita monitorar com câmeras para poder observar quando viaja.
A origem
A mulher começou a montar Lego como um passatempo para combater o tédio durante a pandemia, mas a atividade se transformou em seu refúgio emocional, algo que ela descreve como “alimentar a alma”. Em seu mundo de blocos, nota-se uma mistura de dedicação técnica, nostalgia e busca por um espaço pessoal diante das rotinas do dia a dia.
O fato é que a Lego soube cultivar, especialmente desde 2020, uma base crescente de fãs adultos — muitos dos quais não puderam adquirir os sets mais ambiciosos durante a infância, mas que hoje têm renda e motivação sentimental para reconstruir aquilo que antes era inacessível.
O problema não é apenas econômico, mas também espacial: os maiores sets podem ocupar mesas inteiras ou até cômodos completos, exigindo decisões de convivência — como no caso de Steve Isom, que já montou mais de 275 sets e cedeu sua sala de jantar, escritório e prateleiras para naves espaciais suspensas no teto e modelos monumentais, como um Titanic de prateleira e uma Torre Eiffel de quase um metro e meio.
Sua esposa tolera o hobby, mas impõe limites claros: o quarto está fora da invasão de blocos. Essa negociação silenciosa se repete em muitos lares, onde a paixão por construir entra em choque com a estética compartilhada, a funcionalidade e o espaço disponível.
Arquitetura, design de interiores e adaptação
A transformação da casa em uma galeria de peças Lego gerou até mesmo uma demanda específica na arquitetura de interiores. O arquiteto Jeff Pelletier, ele próprio um entusiasta, afirma ter projetado mais de vinte casas com cômodos dedicados a Lego, na maioria das vezes para adultos. Seu aconselhamento inclui evitar cômodos com luz direta para não desbotar as peças e o uso de vitrines fechadas para reduzir a poeira.
Em outros casos, ele sugere integrar pequenas peças de Lego como detalhes decorativos discretos em prateleiras, paredes ou composições artísticas que imitam obras famosas. Essas soluções buscam equilibrar paixão e estética, preservando a identidade visual da casa sem eliminar o espaço criativo do colecionador. Até mesmo no mercado imobiliário, corretores como Niko Cejic afirmam que as casas com salas Lego podem se tornar mais atraentes, conferindo caráter e diferenciação diante da padronização neutra de tantos interiores contemporâneos.
Para além do hobby, essas salas de Lego refletem uma necessidade afetiva profunda em um contexto de vidas cada vez mais aceleradas, trabalhos exigentes e estruturas familiares em transformação. Evan Rubin, por exemplo, encontra em seu quarto de Lego um refúgio de repetição manual e calma visual, um retorno seletivo a uma infância reinterpretada. Muitos proprietários descrevem essas construções como uma forma de recuperar a criatividade diante da monotonia das rotinas — e também como um meio de construir uma identidade dentro do lar.
O Journal conta que a substituição de projetos de vida mais tradicionais (como a criação de filhos em lares cada vez menores) se entrelaça com esse fenômeno: animais de estimação, plantas e Lego surgem onde antes havia berços. A casa já não é apenas um lugar para morar, mas um cenário onde se reconstrói uma versão íntima de si mesmo.
Mundos minúsculos “reais”
Em suma, os quartos de Lego — escondidos em porões, ampliações domésticas ou cômodos cuidadosamente reservados — parecem ser mais uma manifestação cultural de um desejo contemporâneo de pertencimento, refúgio e controle criativo. E, se quisermos, também representam uma resposta silenciosa, paciente e manual diante da velocidade digital, da produtividade constante e da pressão da vida adulta.
Os mundos construídos com blocos não substituem o mundo exterior, é claro, mas oferecem uma continuidade entre a criança que brincava e o adulto que busca um espaço próprio em meio a obrigações, horários e exigências. Em última instância, nessas cidades em miniatura pulsa uma afirmação simples e universal: embora a vida nos empurre a crescer, sempre haverá partes de nós que precisam continuar construindo.
Este texto foi traduzido/adaptado do site Xataka Espanha.
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