A Europa tem um dilema: o que fazer com o dinheiro russo congelado em seus bancos? Países temem sofrer retaliações caso o utilizem

A situação é uma encruzilhada para o velho continente: aceitar que o medo desse tipo de contas determine a política de segurança europeia

Dinheiro russo na Europa / Imagem: RawPixel
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Victor Bianchin

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Victor Bianchin é jornalista.

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A Europa enfrenta uma decisão que vai muito além de uma discussão contábil e que define sua credibilidade estratégica: o que fazer com os mais de 210 bilhões de euros em ativos russos congelados desde o início da invasão da Ucrânia. O problema é duplo, porque não se trata apenas de números, mas do que vem depois de acionar a operação.

A questão não é apenas se esse dinheiro deve ser usado para sustentar Kiev em um momento crítico, mas se a União Europeia é capaz de assumir os riscos políticos, legais e econômicos que isso implica.

Enquanto Washington pressiona por uma saída rápida para o conflito e reduz seu apoio financeiro, Bruxelas se vê presa entre a urgência de evitar uma derrota ucraniana e o temor de desencadear uma retaliação russa que atinja diretamente vários de seus Estados-membros.

Putin às claras

As declarações desta semana de Vladimir Putin, carregadas de desprezo pelas elites europeias e de confiança em uma guerra prolongada, não são simples retórica. O presidente russo deixa claro que não considera concessões reais e que vê o uso de seus ativos congelados como um roubo que exige resposta.

Essa resposta não seria simbólica, mas cirúrgica: confisco seletivo, nacionalizações aceleradas, litígios intermináveis e o uso do sistema financeiro russo como arma. A mensagem, a princípio, é inequívoca: se a Europa cruzar a linha, a Rússia não punirá apenas a Ucrânia no campo de batalha, mas também os países europeus que ainda têm interesses econômicos expostos dentro de seu território.

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O Financial Times lembra que, embora o debate seja apresentado como uma disputa entre incisivos e cautelosos, o bloqueio real vem de um punhado de países específicos, com Bélgica, Itália e Áustria à frente. Não é uma questão ideológica, mas de vulnerabilidade direta.

A Bélgica abriga a Euroclear, o depósito que guarda a maior parte dos ativos russos congelados, e teme se tornar o primeiro alvo de retaliações judiciais e econômicas. A Itália e a Áustria, por sua vez, mantêm bancos e empresas com bilhões presos na Rússia, lucros incluídos, que não podem ser repatriados. Para esses países, autorizar o uso do dinheiro russo não é uma decisão abstrata de política externa, mas um risco imediato para seus sistemas financeiros e corporativos.

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As contas tipo C: o trunfo de Moscou

No centro desse temor estão as chamadas contas tipo C, o mecanismo criado por Moscou para reter dividendos, juros e ativos de empresas ocidentais. Esse dinheiro, formalmente propriedade de companhias europeias e estadunidenses, está sob controle russo e pode ser congelado, redistribuído ou diretamente transferido para o orçamento do Estado com um simples decreto.

Para o Kremlin, essas contas são uma ferramenta de retaliação rápida e eficaz, muito superior em agilidade aos lentos processos judiciais ocidentais. Para a Europa, são uma corrente invisível que amarra governos inteiros no momento de tomar decisões estratégicas, porque qualquer passo em falso pode se traduzir em bilhões perdidos e em crises políticas internas.

A Alemanha se tornou o principal motor político do plano para usar os ativos russos, convencida de que, sem esse dinheiro, não há forma realista de sustentar a Ucrânia por mais dois anos sem disparar a dívida europeia ou depender de unanimidades impossíveis.

Berlim insiste que o risco deve ser repartido entre todos e que não agir enviaria um sinal devastador: a Europa não é capaz de defender a própria segurança. No entanto, essa lógica colide com a realidade de países que sentem que o risco não está distribuído, mas concentrado em seus balanços nacionais, seus bancos e seus tribunais.

Uma (má) paz como ameaça

Esse bloqueio financeiro ocorre em um contexto ainda mais inquietante: o medo europeu de uma paz imposta em termos favoráveis à Rússia. Para muitas capitais, um acordo que consolide os ganhos territoriais de Moscou não apenas deixaria a Ucrânia indefesa, como também obrigaria a Europa a se preparar para um cenário de confronto direto a médio prazo, com fronteiras mais longas, um Exército russo reforçado e uma dissuasão europeia enfraquecida.

Nesse quadro, o dinheiro russo congelado deixa de ser uma alavanca tática e se transforma em um investimento estratégico: ou é usado agora para sustentar a Ucrânia, ou será pago mais adiante na forma de rearmamento em larga escala e risco de guerra.

Em última instância, a União Europeia congelou os ativos russos para impedir que retornem a Moscou sem reparações, mas agora precisa decidir se ousa dar o próximo passo. Sem esse dinheiro, a Ucrânia pode ficar sem liquidez em questão de meses, perdendo toda a capacidade de negociação e sendo forçada a um acordo a partir de uma posição de fraqueza.

Com ele, a Europa se expõe a retaliações, litígios e perdas econômicas imediatas, concentradas em poucos países que hoje freiam a decisão. A encruzilhada é clara: assumir o custo político e financeiro agora ou aceitar que o medo das contas tipo C determine a política de segurança europeia. Nessa escolha está em jogo não apenas o futuro da Ucrânia, mas a capacidade da Europa de atuar como um ator geopolítico coerente quando seus próprios interesses estão em risco.

Imagem | RawPixel

Este texto foi traduzido/adaptado do site Xataka Espanha.


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