Ucrânia abriu o míssil balístico russo que devastou suas cidades; a surpresa: seu combustível vem da China

Enquanto persistir a exceção jurídica e econômica, os Iskander continuarão voando, sustentados por uma cadeia de suprimentos que a Rússia não consegue substituir sozinha

O míssil balístico Iskander-M / Imagem: Vitaly V. Kuzmin, Mil.ru
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Victor Bianchin

Redator
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Victor Bianchin é jornalista.

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No mês de outubro, a inteligência ucraniana realizou uma investigação. E então descobriu, mais uma vez, que a brecha existente em torno das sanções internacionais é palpável e mensurável. Kiev havia começado a analisar peças dos mais recentes mísseis de cruzeiro e balísticos de Moscou. E o que encontraram foi um déjà-vu.

O míssil balístico Iskander-M, coração do terror russo contra cidades ucranianas, depende de um combustível sólido cuja metade deveria ser composta por perclorato de amônio. O problema é que a Rússia, após décadas de declínio industrial desde o colapso soviético, já não consegue produzir em escala o ingrediente crítico para fabricá-lo: clorato de sódio de alta pureza.

Essa limitação técnica, mais do que qualquer força militar russa, define a vulnerabilidade estratégica de uma arma que devastou lugares como Kryvyi Rih, onde, por exemplo, um impacto em novembro de 2024 matou uma mãe e seus três filhos. A queda sustentada nas taxas de interceptação ucranianas, mesmo em áreas defendidas pelo Patriot, demonstra que cada míssil que consegue superar a defesa aérea atinge zonas densamente povoadas e transforma essa dependência industrial em tragédia humana.

A rede que abastece

Agora, em uma investigação do RUSI, a inteligência ucraniana constatou que, diante da falta de capacidade doméstica, Moscou depende de dois fornecedores essenciais: a China, responsável por 61% do clorato de sódio importado, e o Uzbequistão, que fornece os 39% restantes por meio da Farg'onaazot, uma planta adquirida pela Indorama por 140 milhões de dólares e ligada familiarmente ao conglomerado de Lakshmi Mittal.

Assim, entre 2024 e meados de 2025, somente a fábrica uzbeque enviou mais de 18 milhões de dólares em insumos, parte de um fluxo total próximo de 37 milhões que sustenta a produção de mísseis usados repetidamente contra a siderúrgica ArcelorMittal em Kryvyi Rih — vítima da mesma rede empresarial que contribui involuntariamente para alimentar o programa russo.

Lançamento de um Iskander em 2018 Lançamento de um Iskander em 2018

O buraco no regime de sanções

Embora o clorato de sódio conste nas sanções europeias como uma substância que sustenta a capacidade industrial russa (a UE não pode comercializá-lo), os principais fornecedores — uzbeques e chineses — seguem sem ser sancionados. Na verdade, a especialista Olena Yurchenko identifica três falhas estruturais: a falta de cobertura integral de todos os precursores do combustível sólido, a ausência de restrições sobre fornecedores de países terceiros e a omissão de sanções aos exportadores e importadores russos diretamente envolvidos.

O resultado é uma cadeia de suprimentos perfeitamente funcional que opera nas sombras jurídicas, permitindo que a Rússia reponha seu arsenal apesar do embargo ocidental. Especialistas apontam que esse fenômeno se repete em setores onde empresas ocidentais toleram indiretamente circuitos de “importação paralela”.

Geopolítica e cálculo político

A Forbes lembra que, para a UE, seria politicamente mais viável sancionar o Uzbequistão, cujo peso econômico e vínculos com a Europa são menores que os da China. Não há dúvida de que punir fornecedores chineses implicaria em fricções diplomáticas e comerciais profundas, o que explica a relutância de alguns países-membros.

Contudo, enquanto essas decisões são adiadas, a Rússia avança em novos complexos de produção interna que não estarão operacionais até entre 2025 e 2027, prolongando um período crítico no qual a dependência externa continua sendo o calcanhar de Aquiles de sua indústria de mísseis.

A ArcelorMittal Kryvyi Rih, pilar econômico da cidade e alvo recorrente dos mísseis Iskander, contribuiu com mais de 500 milhões em impostos para a Ucrânia e mais de 18 milhões em ajuda humanitária desde a invasão. O drama é evidente: a mesma estrutura empresarial que ajuda a reconstruir a Ucrânia está, por um elo distante de sua órbita corporativa, vinculada à produção dos mísseis que destroem sua infraestrutura.

Se a UE sancionasse simultaneamente os fornecedores uzbeques e os principais exportadores chineses, a Rússia enfrentaria anos de instabilidade, custos elevados e menor flexibilidade industrial. Poderia até ser forçada a redesenhar seus motores e combustíveis, comprometendo a confiabilidade de seu arsenal por um longo período.

A questão decisiva é se a política europeia terá coragem para fechar as brechas que permitem que conglomerados globais se beneficiem (direta ou indiretamente) dos dois lados da guerra. A razão é cristalina: enquanto persistirem essa exceção jurídica e econômica, os Iskander continuarão voando e massacrando, sustentados por uma cadeia de suprimentos que a tecnologia russa, sozinha, não consegue substituir.

Imagem | Vitaly V. Kuzmin, Mil.ru

Este texto foi traduzido/adaptado do site Xataka Espanha.


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