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A Coreia do Sul acaba de estender a mão à Coreia do Norte com um gesto histórico: desligar a música de seus alto-falantes

O delicado futuro dessa aparente trégua dependerá de qual será a resposta

Fim da guerra do barulho? Coreias desligam seus alto-falantes na fronteira / Imagem: Driedprawns
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Victor Bianchin

Redator

Victor Bianchin é jornalista.

A história entre as duas Coreias tem sido marcada por desencontros. Tomemos como exemplo os últimos doze meses: a Coreia do Sul foi alvo de uma chuva de balões cheios de lixo e a resposta do vizinho veio na forma de drones e propaganda. A vingança do norte foi um estrondo de ruído, e o sul não ficou atrás, com uma playlist infinita de K-pop.

E, de repente, um dos dois levantou a bandeira branca — e o outro respondeu.

Silêncio na fronteira

Em um ato que pode ser considerado histórico, um giro simbólico e estratégico rumo à reconciliação, a Coreia do Sul desligou os alto-falantes de propaganda que, ao longo do último ano, transmitiam músicas de K-pop sem parar, além de notícias e mensagens ideológicas, na fronteira com a Coreia do Norte. A decisão, tomada pelo novo presidente sul-coreano Lee Jae-myung, representa um dos seus primeiros passos concretos para reduzir as tensões entre Seul e Pyongyang, após anos de deterioração sob seu antecessor, Yoon Suk Yeol.

A medida busca restabelecer canais de confiança e diálogo em uma península que permanece tecnicamente em guerra desde 1953. Segundo explicou seu porta-voz, a suspensão tem como objetivo “restaurar a confiança nas relações intercoreanas e construir a paz na península coreana”.

Como mencionamos no início, a política anterior resultou em uma escalada peculiar, mas bastante intensa: enquanto a Coreia do Sul usava alto-falantes potentes para transmitir música pop e notícias direcionadas a soldados e civis do norte, Pyongyang respondia com seus próprios equipamentos de som, gerando ruídos perturbadores que afetavam o cotidiano das cidades sul-coreanas próximas à fronteira.

O New York Times relata que, para se protegerem do barulho, muitos moradores instalaram janelas com vidros duplos e sistemas de isolamento acústico. Além disso, o conflito se estendeu aos céus, com ativistas sul-coreanos — muitos deles, desertores do norte — enviando balões carregados de panfletos críticos a Pyongyang, aos quais o regime norte-coreano respondeu com balões cheios de bitucas e lixo. Essa dinâmica de retaliações mútuas agravou ainda mais uma relação já marcada pela hostilidade e desconfiança.

A linha Donghae Bukbu na costa leste da Coreia. Essa conexão por estrada e ferrovia foi construída para os sul-coreanos que visitavam a região turística do Monte Kumgang, no norte. A linha Donghae Bukbu na costa leste da Coreia. Essa conexão por estrada e ferrovia foi construída para os sul-coreanos que visitavam a região turística do Monte Kumgang, no norte

Mudança de rumo

O ex-presidente Yoon Suk Yeol, deposto após impor brevemente a lei marcial em dezembro e acusado de fomentar o conflito com a Coreia do Norte, havia promovido o uso da propaganda como meio para minar o controle informativo de Kim Jong-un. Seu governo não só defendeu os alto-falantes, como também incentivou o envio de balões como parte de uma ofensiva ideológica em nome da liberdade de expressão.

Em contraste, Lee Jae-myung, eleito em parte pela promessa de reduzir as tensões, pediu aos ativistas que cessem o lançamento de panfletos, argumentando que essas ações não melhoram o acesso dos norte-coreanos à informação externa, mas aumentam o risco de retaliações armadas e colocam em perigo as comunidades fronteiriças do Sul.

Pragmatismo estratégico

Por outro lado, organizações de direitos humanos e ativistas criticaram duramente as decisões do novo governo, acusando-o de ceder a Pyongyang e de limitar a liberdade de expressão na Coreia do Sul. Alegam que, ao interromper os alto-falantes e desencorajar o envio de balões, priva-se os cidadãos do norte de um dos poucos meios de acesso à informação do mundo exterior.

Por sua vez, o governo sul-coreano indicou que pode recorrer a leis de aviação e segurança pública para impedir essas práticas, por considerar que elas elevam o risco de confronto direto e colocam em perigo os moradores locais, que, em muitos casos, manifestaram alívio diante da recente calma sonora na fronteira.

Uma frágil trégua

A reação da Coreia do Norte a esse gesto de distensão não foi imediata, embora, no dia seguinte, também tenha cessado suas próprias transmissões por alto-falante, o que sugere uma resposta positiva, ao menos momentânea.

Mesmo assim, o contexto geral continua tenso. Sob a liderança de Kim Jong-un, o regime endureceu sua postura em relação ao Sul, declarando abertamente que não busca mais a reunificação e que tratará a Coreia do Sul como inimigo a ser derrotado em caso de guerra. Além de cortar todos os vínculos terrestres entre os dois países, a Coreia do Norte intensificou seus testes com mísseis nucleares e rejeitou qualquer tipo de diálogo com Seul e Washington.

O que parece claro é que, embora desligar os alto-falantes não vá resolver os múltiplos conflitos na relação entre as Coreias, representa um gesto significativo em meio a um ciclo prolongado de confrontos sonoros e simbólicos. Ao suspender unilateralmente essas ações, Lee Jae-myung busca estabelecer as bases de uma nova narrativa política, baseada na redução das tensões e na reconstrução dos canais diplomáticos.

Não há dúvida de que o equilíbrio entre princípios democráticos, segurança nacional e realismo geopolítico continua delicado. Mas, por enquanto, o silêncio reina na fronteira e é possível que o futuro dessa trégua dependa de qual lado — Norte ou Sul — voltará a aumentar o volume dos seus alto-falantes.

Imagem | Driedprawns

Este texto foi traduzido/adaptado do site Xataka Espanha.

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