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A China produziu tantos painéis solares que derrubou seus preços: agora quer fechar fábricas para salvar sua indústria

90% da capacidade global de células solares está no país, mas a superprodução detonou uma crise que obriga Pequim a intervir

China tenta salvar sua indústria solar / Imagem: unsplash
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Victor Bianchin

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Victor Bianchin é jornalista.

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A China é a líder indiscutível da energia solar mundial. Suas fábricas produzem quase 90% das células solares do planeta e botam para escanteio concorrentes europeus e norte-americanos. Mas esse domínio esmagador gerou um problema monumental: preços no chão, perdas milionárias e um excesso de painéis que o mundo não precisa. Agora, Pequim prepara um plano de choque para “reiniciar” sua indústria solar.

A bolha solar estourou

Entre 2020 e 2023, Pequim redirecionou recursos do setor imobiliário para o que chamou de “as três novas indústrias de crescimento”: painéis solares, carros elétricos e baterias. O resultado foi uma enxurrada de fábricas e uma produção sem precedentes. Reportagem do Financial Times mostra que o gigante asiático registrou no ano passado uma fabricação de 588 GW de células solares, mais do que o dobro da demanda mundial de 451 GW.

A consequência imediata foi um colapso de preços: as empresas vendiam abaixo do custo para liberar estoque, o que provocou perdas superiores a 60 bilhões de dólares. O polissilício de grau solar — matéria-prima chave — caiu para cerca de 50 yuans (R$ 37) por quilo. Além disso, o impacto social também não foi menor. As cinco maiores companhias fotovoltaicas reduziram seus quadros em 31%, o que representa 87.000 demissões silenciosas.

De receita de sucesso a veneno

O diagnóstico é claro: excesso de capacidade e competição feroz. O que um dia foi a receita do sucesso — hipercompetitividade e produção em massa — acabou se transformando em uma corrida para baixo. O analista Bo Zhengyuan explicou ao Financial Times: “Esse mesmo ‘espírito animal’ que fez a indústria triunfar agora a está destruindo”.

Além disso, a estratégia estatal teve papel central. O governo central incentivou fábricas e parques solares como motor de crescimento, enquanto os governos provinciais, avaliados por emprego e produção, resistiam a qualquer fechamento de plantas deficitárias.

A tentativa de autorregulação também não funcionou. Em 2024, gigantes como Longi, Tongwei e JA Solar assinaram um pacto de “autodisciplina” para limitar a produção, imitando a OPEP do petróleo. Mas o acordo não era vinculante e, enquanto uns esperavam que outros cumprissem, muitos aumentaram ainda mais sua produção para ganhar participação de mercado. O resultado foi justamente o contrário: excesso histórico de oferta e balanços no chão.

O plano de Pequim

Com o setor no vermelho, Pequim decidiu intervir. Segundo a Bloomberg, os grandes produtores, com apoio estatal, planejam um fundo de pelo menos 50 bilhões de yuans (7 bilhões de dólares) para adquirir e fechar mais de um milhão de toneladas de capacidade de polissilício.

O movimento busca um objetivo imediato: estabilizar os preços. Ming Yang, diretor financeiro da Daqo New Energy, declarou à Bloomberg que o setor “já bateu no fundo” e deveria voltar à lucratividade antes do final do ano. Bastaram suas palavras para que as ações solares disparassem: a Daqo subiu 14% em Xangai e o setor liderou as maiores altas do índice CSI 300.

Paralelamente, a GCL Technology propôs fechar um terço da capacidade da indústria. Seu diretor financeiro reconheceu à Reuters que não há garantias de que a reforma seja implementada este ano, mas admitiu que os preços à vista já começaram a subir após o sinal dos reguladores para frear as vendas “excessivamente baixas”.

Por sua vez, o Ministério da Indústria convocou executivos de 14 companhias para exigir o fechamento de fábricas subutilizadas e prometeu controles mais rigorosos sobre novos projetos e requisitos ambientais, como destacou o Financial Times.

Um dilema geopolítico e tecnológico

O “reset” solar chinês não tem apenas uma dimensão econômica, mas também política e geoestratégica. Segundo o Financial Times, por um lado, a avalanche de exportações baratas tensionou as relações com Estados Unidos e Europa, enquanto Pequim continua impulsionando vendas a países em desenvolvimento dentro de sua iniciativa da Rota da Seda.

Por outro lado, o setor não freou seus investimentos tecnológicos. Apesar das perdas, as seis maiores companhias investiram 3,4 bilhões de yuans em pesquisa e desenvolvimento no primeiro semestre de 2025 e mantêm quase 17.000 funcionários dedicados a isso. Em apenas cinco anos, a eficiência de conversão das células solares passou de 20% para 30%, segundo o UBS, citado no FT.

Mas o paradoxo persiste: os analistas estimam que seria necessário eliminar entre 20% e 30% da capacidade de produção para que as empresas voltem a ser lucrativas. Um ajuste dessa magnitude colide com os interesses dos governos provinciais, que dependem do emprego e do investimento local, complicando a execução do plano.

A luz e a sombra da liderança

A China construiu sua hegemonia solar com velocidade, escala e preços baixos. Essa mesma receita hoje ameaça destruí-la. O país enfrenta uma decisão desconfortável: deixar que a ultracompetição continue afundando seus campeões ou assumir um ajuste doloroso que feche fábricas e encare os preços.

“Em nenhum outro setor, a China domina mais do que neste”, alertou a economista Alicia García-Herrero ao Financial Times. Justamente por isso, Pequim parece disposta a reiniciar seu setor solar, mesmo que doa. Só assim poderá evitar que sua maior história de sucesso se torne mais uma vítima de seu próprio excesso.

Imagem: Unsplash

Tradução via: Xataka Espanha.


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