A história da transição energética ganhou mais um capítulo daqueles que mostram que a estrada para a mudança completa da matriz está longe de ser uma linha reta. A União Europeia decidiu rever o plano de proibir novos carros com motor a combustão a partir de 2035 — uma meta que já era vendida como inevitável, quase um ponto final no ciclo do motor tradicional. Agora, o bloco diz que vai considerar melhor os avanços tecnológicos no setor e adotar uma rota mais flexível.
Segundo Apostolos Tzitzikostas, comissário de transportes da UE, a mudança é motivada por novas tecnologias que se desenvolveram muito mais rápido do que o esperado — especialmente combustíveis sintéticos e biocombustíveis. Em entrevista ao jornal alemão Handelsblatt (via Quatro Rodas), o comissário afirmou que a revisão das regras será parte de um pacote maior para “fortalecer a indústria automotiva local” e evitar que as montadoras europeias percam ainda mais espaço para rivais chinesas, que avançam de forma agressiva no mercado global de carros elétricos.
A reviravolta também inclui um foco maior em modelos elétricos de entrada, mais baratos. A UE acredita que ampliar a oferta de veículos acessíveis ajudará a impulsionar a adoção dos EVs, que hoje ainda enfrentam barreiras de preço e infraestrutura — especialmente fora dos grandes centros urbanos.
O recuo chama atenção porque o antigo acordo já estava firmado desde fevereiro de 2023, quando o Parlamento Europeu aprovou uma lei determinando emissões zero para todos os carros de passeio e comerciais leves novos a partir de 2035. Antes disso, haveria uma etapa intermediária em 2030, com redução de 55% das emissões de automóveis e 50% de veículos comerciais leves. Era um plano ambicioso, mas que agora parece menos compatível com o ritmo do mercado e das tecnologias emergentes.
Entre essas tecnologias, os combustíveis sintéticos surgem como protagonistas. O exemplo mais citado é o da usina chilena Haru Oni, parte de um consórcio liderado pela HIF e que conta com gigantes como Porsche, Baker Hughes e AME. Lá, é produzida gasolina sintética cujo CO₂ emitido na queima não aumenta o total de emissões — um ciclo considerado neutro. A BMW também avança nesse campo: seus novos modelos a diesel fabricados na Alemanha já podem rodar com HVO100, um óleo vegetal hidrotratado capaz de reduzir as emissões em até 90%.
O Brasil também entra nesse mapa energético. O etanol nacional, apontado há décadas como solução de baixo carbono, deve ver sua demanda aumentar até 2,4 vezes até 2040, impulsionado tanto pelo mercado interno quanto por exportações — inclusive para a própria Europa.
No fim das contas, o recuo europeu indica que o futuro do transporte não será dominado por uma única solução. Os elétricos seguem fortes, mas os motores a combustão — renovados por combustíveis mais limpos — ainda têm muito chão pela frente.
Crédito de imagem: Nicolò Campo/LightRocket via Getty Images
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