A China quer mais bebês. Isso está claro. A grande dúvida em uma sociedade em transformação — na qual os jovens se casam cada vez menos, os divórcios aumentam e a natalidade despenca há décadas — é como alcançar esse objetivo.
Nos últimos anos, o governo de Xi Jinping tem testado soluções de todo tipo, desde financiar partos sem dor até ligar diretamente para mulheres incentivando-as a ter filhos. Agora, cogita-se experimentar uma nova tática: reduzir a idade legal para se casar. Há quem já alerte que isso servirá de pouco.
Questão de idade
Quando, lá pelos anos 1970, a China pensou em como frear sua superpopulação, o país não criou apenas a famosa “política do filho único” — norma que durante décadas (até 2015) proibia os casais de terem mais de um filho. Outra medida implementada pelo governo foi limitar os casamentos, fixando a idade legal para se casar em 22 anos para os homens e 20 para as mulheres. O resultado, como lembrou há alguns dias o Global Times, jornal apoiado pelo Estado chinês, é que o país tem hoje uma das normas mais restritivas do mundo.
Ao proibir que rapazes com menos de 22 anos e moças com menos de 20 possam se casar, a China se tornou uma das nações com a idade legal para casamento mais alta do mundo, distanciando-se dos 18 anos que marcam o limite comum em nível internacional. Na União Europeia, por exemplo, a idade mínima para se casar é de 18 anos, exceto na Escócia, onde os jovens podem dizer “sim” a partir dos 16. A maioria das legislações permite casamentos antes da maioridade, mas apenas com autorização dos pais ou de uma autoridade judicial.

E se mudássemos a norma?
Essa é a ideia que o professor de econometria Chen Songxi apresentou ao Comitê Nacional da Conferência Consultiva Política do Povo Chinês (CCPPCh), um importante órgão de aconselhamento político do país. A voz de Chen não é qualquer uma. Primeiro porque ele é membro da Academia Chinesa de Ciências. Segundo porque ele próprio integra o CCPPCh, que está reunido nestes dias justamente para considerar propostas em diferentes áreas, do campo econômico e social ao tecnológico.
Nesse prestigiado (e influente) fórum, será discutido um dos temas que mais preocupam a China: a perda populacional que o país enfrenta desde 2022 e suas consequências tanto sociais quanto econômicas. Justamente por esse motivo, Chen apresentou ao CCPPCh algumas propostas: eliminar por completo as restrições à natalidade (desde 2021 são permitidos apenas três filhos por casal), aplicar um sistema de incentivos ao casamento e à natalidade e revisar a idade mínima para que os jovens chineses possam se casar.
Objetivo: aumentar a natalidade
Na reportagem do Global Times, é esclarecido que o objetivo de Chen está muito claro: incentivar a natalidade. Com a proposta, explica o jornal estatal, busca-se “ampliar a base da população fértil e liberar o potencial reprodutivo”. Não é o primeiro movimento de Pequim nessa direção. Ao longo dos últimos meses (e anos), o governo apostou em benefícios fiscais, melhora no acesso a tratamentos médicos e campanhas que exaltam as vantagens da maternidade e da vida a dois. E isso entre uma longa lista de iniciativas de sucesso duvidoso.
Em 2024, a China viu sua taxa de natalidade subir (foram registrados 9,54 milhões de nascimentos frente aos 9,02 milhões de 2023), mas mesmo esse repique deixa um sabor agridoce. Primeiro porque o dado de 2023 foi péssimo, marcando o pior resultado desde 1949. Segundo porque nem mesmo esse leve aumento impediu que o país encerrasse o ano com um saldo demográfico negativo, perdendo 1,39 milhão de habitantes e acumulando seu terceiro ano consecutivo de queda populacional.
Vai dar certo?
Uma coisa é o CCPPCh adotar a proposta de Chen e o governo decidir reduzir a idade legal para o casamento, fixando-a em 18 anos; outra bem diferente é essa mudança realmente incentivar a natalidade chinesa. Há especialistas que já se mostram bastante céticos. “Não fará nada para aumentar a taxa de fecundidade agora que as pessoas se acostumaram a se casar e ter filhos mais tarde”, explica ao Financial Times o demógrafo Yi Fuxian. E ele não é o único com essa visão.
Os dados, de fato, indicam que a medida tende a ter efeito limitado. Em 2020, a idade média do primeiro casamento na China já estava bem acima dos 20 anos exigidos para as mulheres e 22 para os homens: entre elas, era de 28 anos; entre eles, 29,4.
O fato de que os casais possam se casar antes vai fazer com que essa média baixe? E mesmo que baixe, isso necessariamente se traduzirá em mais nascimentos? A vizinha Coreia do Sul oferece um exemplo interessante: ali, apesar de a idade legal para o casamento já ser de 18 anos, a população continua decidindo subir ao altar bem mais tarde. A tendência, aliás, se aproxima dos 30 anos.
Quem pensa em casamento?
Esse é o segundo ponto frágil da proposta de Chen. Os especialistas talvez enxerguem no matrimônio um caminho para melhorar a combalida taxa de natalidade do país, mas a verdade é que os próprios chineses pensam cada vez menos em se casar. Os dados de 2024 divulgados pelo próprio Ministério dos Assuntos Civis são bastante reveladores. No ano passado, 6,1 milhões de casais se casaram na China. Isso representa não apenas uma queda de 20,5% em relação a 2023, como também confirma a tendência de baixa iniciada em 2013 e marca uma nova mínima histórica nas estatísticas oficiais, que remontam a 1986.
A proposta de Chen também não despertou muito entusiasmo nas redes. Em grande parte porque não é exatamente nova. À medida que a taxa de natalidade chinesa foi diminuindo, a ideia de reduzir a idade legal para o casamento começou a aparecer no debate público, ganhando destaque em momentos pontuais. Isso já ocorreu em 2019 e 2021.
O South China Morning Post destacou nos últimos dias comentários de usuários do Weibo que demonstram ceticismo: “Com 18 anos você nem é madura o suficiente para ser mãe, e já é difícil se sustentar sozinha. Como vai criar uma criança?”.
Por trás de tudo isso, está uma discussão ainda mais delicada: o envelhecimento gradual da população chinesa e as consequências sociais e econômicas dessa tendência. A equipe de Chen fez os cálculos e demonstrou que, em 2024, a população com mais de 65 anos representava 15,6% do total na China. Se nada mudar e a tendência atual se mantiver, em 2031 esse percentual irá passar dos 20%, transformando a China em uma “sociedade superenvelhecida”.
Em 2050, esse índice chegaria a 29,5% e, em 2086, a impressionantes 42,2%. O objetivo do demógrafo é que a China consiga aproveitar o horizonte que se abre entre 2025 e 2035, período no qual, segundo seus cálculos, o número de mulheres em idade fértil no país deverá se estabilizar.
Imagens | Llee_wu (Flickr), Drew Bates (Flickr)
Este texto foi traduzido/adaptado do site Xataka Espanha.
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