Falta de trabalhadores faz Alemanha "desaposentar" idosos permitir que os aposentados continuem trabalhando

O plano dos 2.000 euros isentos de impostos para aposentados que trabalham é, em essência, uma resposta pragmática a um choque demográfico

Aposentados na Alemanha / Imagem: Pexels
Sem comentários Facebook Twitter Flipboard E-mail
victor-bianchin

Victor Bianchin

Redator
victor-bianchin

Victor Bianchin

Redator

Victor Bianchin é jornalista.

1286 publicaciones de Victor Bianchin

Em setembro de 2023, a Europa voltou seus olhos para a Alemanha. O país que, em geral, sempre foi uma das economias mais sólidas da zona do euro estava em alerta: combinar uma maior expectativa de vida com um cenário demográfico de pirâmide invertida e um contexto inflacionário desenhava um panorama pouco promissor para aqueles prestes a se aposentar. Na verdade, o sistema estava levando aposentados a voltarem a procurar trabalho para complementar as pensões.

Dois anos depois, as coisas não melhoraram — então, o governo normalizou a situação.

Uma mudança estrutural

O governo do chanceler Friedrich Merz colocou sobre a mesa uma proposta clara e pragmática: permitir que os aposentados que decidirem continuar trabalhando recebam até 2.000 euros (R$ 12,5 mil) por mês isentos de impostos, o chamado “plano de pensão ativa”, uma medida criada para enfrentar a crescente escassez de mão de obra que afeta a maior economia da Europa.

A iniciativa faz parte do pacote de reformas que o Executivo apresentou como seu “outono de reformas” e, segundo o rascunho legislativo obtido pelo Financial Times, entrará em vigor em 1º de janeiro. A coalizão com os social-democratas está prestes a aprová-la com o argumento de reter experiência e conhecimento nas empresas e aumentar a taxa de emprego em um país que enfrenta uma das transições demográficas mais severas do continente.

A medida isenta de impostos até 2.000 euros (R$ 12,5 mil) mensais de rendimentos trabalhistas adicionais para pessoas aposentadas, mas não elimina as contribuições: empregados e empregadores continuarão pagando contribuições sociais sobre esses salários, o que (segundo o Executivo) ajudará a reforçar as finanças da saúde e das pensões, ao mesmo tempo que melhora a liquidez das empresas com experiência sênior.

As vantagens já existentes para quem opta pela aposentadoria antecipada não são eliminadas (a idade legal continua sendo 67 anos, com incentivos para se aposentar aos 63). A mudança pretende, na verdade, oferecer um incentivo fiscal para que quem puder e quiser prolongar sua vida laboral o faça.

Custo público e projeções

O próprio governo estima que abrir mão da arrecadação de impostos por esse incentivo custará cerca de 890 milhões de euros por ano a partir de sua entrada em vigor — um número que alguns institutos consideram otimista: o Instituto IW calcula um custo anual mais próximo de 1,4 bilhão e estima em cerca de 340 mil pessoas o universo potencial de beneficiários.

Economistas como Holger Schmieding alertam, no entanto, que o impacto líquido pode se tornar positivo em dois ou três anos, caso o aumento da atividade econômica e das contribuições compense a perda fiscal inicial, além do possível “efeito psicológico” de valorizar socialmente a contribuição dos mais velhos.

Idoso

O governo olha, entre outros exemplos, para a Grécia: quando Atenas permitiu que os aposentados mantivessem integralmente sua pensão e tivessem uma alíquota reduzida (10%) nos tributos sobre seus rendimentos trabalhistas, o número de trabalhadores aposentados passou de 35 mil em 2023 para mais de 250 mil em setembro do ano seguinte — um salto que ilustra o poder dos incentivos fiscais para mobilizar a oferta de trabalho entre os grupos mais velhos.

Essa experiência é usada em Berlim como sinal de que a política pode funcionar, embora a escala, as estruturas trabalhistas e as culturas de emprego sejam diferentes.

O gesto busca atacar vários sintomas estruturais: a Alemanha registra hoje algumas das jornadas médias de trabalho mais curtas da OCDE e um acentuado crescimento do trabalho em meio período (que já alcança 30% da força de trabalho, mais que o dobro do registrado no início dos anos 1990). A política pretende tanto aumentar as horas efetivas quanto reter o capital humano que, de outro modo, se perderia das empresas.

Manter funcionários seniores no quadro pode ajudar a reduzir gargalos em setores com escassez de profissionais qualificados e facilitar a transferência de know-how, mas também traz o desafio de adaptar cargos, ergonomia e políticas internas a uma força de trabalho mais envelhecida.

Riscos políticos e econômicos

O principal risco é duplo: por um lado, a medida pode penalizar jovens e trabalhadores em início de carreira se as empresas optarem por reter cargos com folhas de pagamento mais baratas e funcionários mais experientes.

Por outro lado, a estimativa fiscal do Executivo pode ficar aquém caso a adesão seja alta, pressionando as contas públicas em um momento em que o custo dos sistemas sociais já pesa sobre o orçamento. Além disso, o Financial Times lembra que existe uma dimensão de equidade e de narrativa pública: promover que as pessoas trabalhem por mais tempo é politicamente sensível quando há setores com empregos precários e salários estagnados.

Em última análise, o plano de permitir essa isenção de impostos para aposentados que trabalham é, em essência, uma resposta pragmática a um choque demográfico e à falta de mão de obra qualificada: busca monetizar a experiência de vida, sustentar as contribuições e fortalecer a economia sem recorrer apenas à imigração em massa ou a aumentos bruscos na jornada de trabalho.

Ainda assim, seu sucesso dependerá da magnitude da adesão, de como será combinado com outras políticas trabalhistas (formação, conciliação, redistribuição do trabalho em meio período) e da honestidade das projeções fiscais: se a adesão for alta, o custo pode se aproximar das estimativas mais pessimistas; se for moderada, a iniciativa pode se tornar um respeitável exercício de ajuste institucional que contribua para prolongar a vida ativa de muitos e mitigar, parcialmente, o custo do envelhecimento. 

Imagem | Pexels, Public Domain

Este texto foi traduzido/adaptado do site Xataka Espanha.


Inicio