Na COP30, em Belém, a inteligência artificial não é mais a novidade futurista de outras conferências — é o elefante branco no meio da floresta amazônica. Entre promessas de eficiência e alertas de colapso energético, a tecnologia aparece como símbolo de um dilema moderno: a mesma ferramenta que pode ajudar a frear o aquecimento global também o acelera.
O paradoxo ficou evidente nas falas, documentos e lançamentos que marcaram os primeiros dias da cúpula. Um dos anúncios mais comentados foi o da AI Climate Academy, uma iniciativa conjunta da Unesco, da União Internacional de Telecomunicações e da Anatel. A proposta, nascida oficialmente em solo paraense, pretende capacitar países em desenvolvimento no uso da IA para o enfrentamento das mudanças climáticas.
"A ideia é oferecer cursos presenciais em países em desenvolvimento para o uso da IA no enfrentamento à mudança do clima", explicou à Folha o diplomata Pedro Ivo, negociador-chefe do Brasil para tecnologia na convenção do clima da ONU.
A iniciativa é a face otimista de um debate que começou a ganhar força em Dubai, durante a COP28, quando a IA foi reconhecida formalmente como instrumento de combate à crise climática. Desde então, as Nações Unidas e seus braços técnicos vêm tentando entender até que ponto o poder de cálculo das máquinas pode ser um aliado — ou uma armadilha — na luta pela sobrevivência do planeta.
"Um conjunto significativo de atores olha mais pelo lado das oportunidades, que existem mesmo, do ponto de vista, por exemplo, de cientistas que podem acelerar suas pesquisas ou jornalistas de clima que podem usar a IA em investigações", afirma Guilherme Canela, diretor da Divisão de Políticas Digitais da Unesco. De outro, crescem as vozes preocupadas com o custo dessa revolução digital: datacenters que consomem água e energia em escala industrial e geram calor em regiões já vulneráveis aos extremos climáticos.
O relatório técnico mais recente da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança Climática reforça essa tensão. O documento cita exemplos concretos de uso positivo — como sistemas de previsão de eventos extremos, modelos que monitoram desmatamento e a plataforma PrevisIA, do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia, que usa algoritmos para identificar áreas de risco na floresta.
Mas o mesmo relatório também adverte: o gasto energético de datacenters pode anular parte dos ganhos ambientais. E há ainda a desigualdade digital — países com menor renda e infraestrutura limitada ficam para trás na corrida por soluções baseadas em IA, o que amplia o abismo tecnológico e climático.
O anuário climático da UNFCCC, divulgado na terça-feira (11), trouxe outro retrato dessa dualidade. Em um dos casos de sucesso, a IA ajuda 38 milhões de agricultores na Índia a prever monções e reduzir prejuízos causados por eventos climáticos extremos. Mas o relatório também denuncia a falta de métricas globais claras sobre o impacto da infraestrutura digital nas emissões — o que significa, na prática, que ainda não se sabe se a conta energética fecha no verde.
Um estudo da Unesco publicado em junho reforça o alerta: a estimativa de consumo anual de energia do ChatGPT equivale ao gasto de 3 milhões de pessoas na Etiópia. A demanda computacional da IA, segundo o documento, dobra a cada cem dias, acompanhada por um aumento proporcional no uso de eletricidade.
Há ainda um inimigo silencioso: a desinformação alimentada por IA. Durante o apagão que atingiu Espanha e Portugal em junho, por exemplo, circularam nas redes falsas alegações de que as energias renováveis seriam responsáveis pela falta de luz. “O problema não é novo, mas a IA trouxe três ‘Vs’ — velocidade, volume e verossimilhança”, explica Canela. “Hoje, uma fake news pode parecer mais real do que a verdade”.
Crédito de imagem: COP 30 Press Office / handout/Anadolu via Getty Images
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