Portugal quer deixar de depender do turismo; a solução: um cabo submarino conectado aos EUA

A ideia é que a cidade de Sines deixe de ser um destino turístico para se tornar um polo tecnológico e logístico europeu

Sines, Portugal / Imagem: Kalboz, Maritime, Google
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Victor Bianchin

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Victor Bianchin é jornalista.

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Portugal tem um plano simples, embora difícil de executar: trocar cabos submarinos por turistas. Sines, um município costeiro aparentemente modesto, está no centro das ambições estratégicas de Portugal. Após décadas em que o turismo se tornou o principal motor econômico do país (chegando a representar quase um quarto do PIB), o governo português busca agora reequilibrar seu modelo produtivo, atraído por uma oportunidade que mistura geografia e tecnologia.

Como? Sines é o ponto onde chegam e de onde partem cabos submarinos que conectam a Europa à América e à África. Cabos esses que, em breve, também se ligarão aos EUA por meio de uma linha do Google com destino à Carolina do Sul.

Essa combinação de conectividade global, espaço disponível e infraestrutura energética impulsionou o desenvolvimento de projetos como um megacentro de dados de 8,5 bilhões de euros, uma fábrica de baterias de 2 bilhões de euros e a ampliação do porto de águas profundas administrado pela Autoridade Portuária de Singapura — investimentos equivalentes a 4,6% do PIB do país, que poderiam gerar mais de 5.000 empregos.

Para o governo português, Sines não é um experimento, mas o elo que poderia transformar a economia do país em uma plataforma logística e tecnológica.

o cabo do Google que conectará os EUA a Portugal e ao resto de Europa O cabo do Google que conectará os EUA a Portugal e ao resto de Europa

No entanto, o município carrega um legado de promessas que não se cumpriram. Nos anos 1970, o regime autoritário tentou transformá-lo no polo industrial do país, construindo um porto comercial, uma refinaria e uma usina de energia com a expectativa de processar combustíveis provenientes do império colonial português.

Após a Revolução de 1974 e a perda das colônias, o projeto perdeu força: o porto ficou subutilizado, a refinaria sobreviveu com dificuldades e a usina elétrica acabou sendo fechada em 2021 devido à redução dos custos das energias renováveis. A região cresceu esperando um boom que nunca se consolidou e muitos dos recém-chegados acabaram indo embora. Essa lembrança pesa hoje na memória de seus habitantes, que observam essa nova onda de investimentos com uma mistura de entusiasmo e cautela.

Como será agora?

A Bloomberg relata que a chegada de milhares de trabalhadores ligados à construção dos novos centros de dados, fábricas e ampliações portuárias está tensionando o tecido urbano da cidade, que continua pequena e com serviços limitados. A oferta de moradias é insuficiente, alguns trabalhadores dormem em carros e os projetos residenciais avançam lentamente por falta de financiamento.

Os serviços básicos (escolas, centros de saúde, infraestruturas municipais) mostram sinais de saturação. Esse descompasso entre investimento e suporte vital alimenta a dúvida fundamental: se Sines será desta vez uma cidade que retém riqueza ou se, como no passado, a atividade chegará, as obras serão concluídas e o valor gerado voltará a ir embora para outras regiões e empresas.

Start Campus em Sines Start Campus em Sines

Como dissemos, o porto de Sines ocupa uma posição estratégica entre a Europa, a África e a América, e sua ampliação pretende que deixe de ser apenas um ponto de transbordo entre navios para transformá-lo em um porto que introduz mercadorias para o interior da Península Ibérica. Mas essa transição requer conexões rápidas com a Espanha e o centro da Europa, e o corredor rodoviário até a fronteira está incompleto. Além disso, não existe uma conexão ferroviária de passageiros e o transporte de cargas é lento.

O governo estuda melhorias que poderiam reduzir em até três horas as rotas logísticas até a Espanha, o que permitiria competir com portos como Valência e Algeciras. A infraestrutura de transporte é, portanto, o verdadeiro ponto de inflexão: sem ela, Sines continuará sendo um porto periférico, mas, com ela, poderá se transformar em uma das peças centrais do comércio atlântico europeu.

Tecnologia, energia e capital

Os novos projetos em Sines são marcados pelo investimento internacional. O centro de dados Start Campus opera com energia renovável e garantiu 1,2 gigawatt (uma capacidade comparável ao consumo de Lisboa), reutilizando sistemas de refrigeração da antiga usina termelétrica por meio de água do mar.

A fábrica de baterias da CALB, parcialmente controlada por capital chinês, receberá até 350 milhões de euros em apoio público e pretende produzir baterias para 200.000 veículos elétricos por ano em 2028. A combinação de energia limpa disponível, água do mar para refrigeração, espaço físico e acesso direto a cabos submarinos faz de Sines um nó privilegiado em um mundo onde a infraestrutura digital pesa tanto quanto a industrial.

Para muitos habitantes, essa transformação pode ser a oportunidade que nunca chegou, mas, para outros, é um novo ciclo em que as grandes empresas assumirão o protagonismo, enquanto a comunidade local ficará à margem. A diferença entre um resultado e outro dependerá de três fatores: moradia acessível, infraestrutura que conecte Sines ao restante do país e capacidade do governo de capturar e redistribuir o valor gerado.

Assim, o que está em jogo não é apenas o futuro de uma cidade costeira, mas o modelo econômico português como um todo: se conseguir que o município deixe de ser uma paisagem turística e um porto de passagem para se tornar um polo tecnológico e logístico europeu, o país poderá deixar para trás décadas de dependência do turismo. Por outro lado, se não o fizer, Sines voltará a ser um símbolo de promessas não cumpridas.

Imagem | Kalboz, Maritime, Google

Este texto foi traduzido/adaptado do site Xataka Espanha.


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