"Não tenho certeza se os interesses dos franceses serão protegidos na minha ausência": Carlos Tavares se preocupa com o futuro da Stellantis

  • Um ano após deixar a Stellantis, Carlos Tavares quebra o silêncio;

  • Em sua autobiografia, "Um Piloto na Tempestade", o ex-CEO faz uma avaliação franca do grupo que formou: um gigante fragmentado, ameaçado de desintegração e minado por suas próprias contradições;

  • Tavares faz inúmeros alertas sobre o excesso de fábricas, tensões políticas e uma parceria ambígua com a China;

  • Ele também oferece alguns conselhos gentis ao seu sucessor, Antonio Filosa

Carlos Tavares reconhece agora que, ao integrar o fabricante chinês Leapmotor na Stellantis em 2023, “convidou o lobo para o redil”. | © Stellantis
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Fabrício Mainenti

Redator

Nos últimos dias, Carlos Tavares, ex-presidente da Stellantis, tem sido o assunto do momento. Vale destacar que ele acaba de publicar um livro pela Plon, "Um Piloto na Tempestade", que traça sua trajetória, da Renault à PSA, até a criação da Stellantis em 2021. Ele conta, ainda, os bastidores de sua saída no final de 2024, que, segundo ele, foi decidida "em total acordo" com John Elkann, em um momento em que a confiança no conselho de administração havia se deteriorado e sua estratégia para carros elétricos estava sendo contestada. 

Ao mesmo tempo, o ex-CEO de 67 anos está enviando vários sinais: a Stellantis agora tem "três fábricas a mais na Europa e pelo menos uma na América" ​​e está sofrendo um revés estratégico desde que deixou o cargo. Esta foi uma oportunidade para oferecer alguns conselhos ao seu sucessor, Antonio Filosa, sobre como preservar sinergias, controlar os custos de P&D em uma "selva tecnológica" ditada por regulamentações e resistir à pressão dos conselhos de administração.

Um gigante sob pressão, dividido entre continentes e ambições

O sucessor de Carlos Tavares, Antonio Filosa, parece ter os olhos cada vez mais voltados para a América do Norte. | © Stellantis O sucessor de Carlos Tavares, Antonio Filosa, parece ter os olhos cada vez mais voltados para a América do Norte. | © Stellantis

A Stellantis, nascida da fusão PSA-FCA, possui 14 marcas e quase 300 mil funcionários. Mas, por trás da fachada, as divisões nacionais e industriais se multiplicam. Nos Estados Unidos, Jeep e Ram garantem a lucratividade do grupo. Na Europa, as fábricas estão ociosas, com financiamento público. Enquanto na Itália o governo Meloni ameaça, na França o Estado está de olho. "Acredite, a batalha nos bastidores entre os Estados europeus é muito feia", confidencia Tavares. 

A eletrificação, que supostamente uniria o grupo, está, na verdade, dividindo seus líderes. Ele evoca um crescente desequilíbrio entre a Europa e a América. "Não tenho muita certeza de que os interesses dos franceses serão protegidos na minha ausência", acrescenta, referindo-se à governança atual e ao crescente poder das divisões americanas.

Leapmotor, cavalo de Troia chinês e espelho de contradições

A parceria entre a empresa chinesa Leapmotor e a Stellantis pode acabar saindo pela culatra para a multinacional euro-americana se ela encontrar dificuldades.| © Leapmotor A parceria entre a empresa chinesa Leapmotor e a Stellantis pode acabar saindo pela culatra para a multinacional euro-americana se ela encontrar dificuldades.| © Leapmotor

Tavares não descarta o pior cenário: "Um dia, uma fabricante chinesa poderá comprar as operações europeias, enquanto os americanos retomarão o Norte". Ele, agora, reconhece que, ao integrar a Leapmotor à Stellantis em 2023, "convidou o lobo para o redil", como dizem alguns. O primeiro modelo da Leapmotor montado na Europa será lançado na Espanha em 2026, e já circulam rumores de modelos chineses renomeados como Opel. 

Para o ex-presidente, esse acordo de "tecnologia por ações" ilustra a crescente dependência da Europa em relação à China, uma dependência que ele mesmo ajudou a criar. E, apesar da lucidez, Tavares sabe que o risco é muito real: se a Stellantis tropeçar, a Leapmotor pode se tornar a compradora ideal.

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