Os EUA têm um plano militar secreto para combater a China; o problema é que chegou às mãos de uma pessoa: Elon Musk

A controvérsia destaca as tensões latentes em torno do papel que Elon Musk desempenha dentro do governo dos Estados Unidos.

Elon Musk e o plano militar secreto da China. Imagem:  GoodFon, MINISTÉRIO DAS COMUNICAÇÕES
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Sofia Bedeschi

Redatora

Jornalista com mais de 5 anos de experiência no ramo digital. Entusiasta pela cultura pop, games e claro: tecnologia, principalmente com novas experiências incluídas na rotina. 

A história começou no final de março. Ao que tudo indica, o Pentágono havia organizado uma reunião informativa para Elon Musk. Até aí, tudo mais ou menos “normal”, considerando o papel governamental que o homem mais rico do mundo passou a exercer desde que Trump foi reeleito.

O problema estava no suposto objetivo da reunião, segundo o New York Times: informar Musk sobre o plano militar secreto que os Estados Unidos têm preparado diante de uma possível guerra com a China. O impacto foi tão grande que o próprio Pentágono está, neste momento, tentando identificar o responsável.

Negação presidencial

Após a publicação da matéria do Times, o presidente Donald Trump rapidamente rejeitou publicamente a possibilidade de que Musk tenha acesso a planos militares secretos relacionados a um potencial conflito com a China. Como mencionava o jornal, Musk teria sido incluído em uma sessão informativa de alto nível no Pentágono sobre estratégias militares dos EUA contra a China, o que gerou preocupação devido aos seus extensos vínculos comerciais com o país asiático.

Trump negou a existência dessa reunião e afirmou que, embora Musk esteja ajudando significativamente o governo ao identificar “desperdício, fraude e abuso”, não seria apropriado compartilhar com ele informações de alta sensibilidade como essa. Ele ainda enfatizou que, em sua opinião, o próprio Musk também não gostaria de estar nessa posição.

A visita e múltiplas interpretações

Musk, CEO da SpaceX e da Tesla, além de conselheiro governamental em tempo parcial, visitou o Pentágono no dia seguinte à reportagem exclusiva do New York Times, na sexta-feira, 22 de março, e participou de uma reunião privada de mais de uma hora com o secretário de Defesa, Pete Hegseth, e com o vice-chefe do Estado-Maior Conjunto, o almirante Christopher W. Grady.

Originalmente, segundo dois funcionários citados pelo Times, Musk seria recebido na “The Tank”, uma sala de conferências de alta segurança dentro do edifício, para discutir estratégias de defesa em caso de confronto com a China. Também foi mencionado que a reunião incluiria o almirante Samuel J. Paparo, chefe do Comando Indo-Pacífico dos EUA.

No entanto, essa última sessão parece ter sido cancelada após a publicação da matéria. Musk acabou se reunindo no gabinete do secretário de Defesa, e não na “sala segura”, o que pode ter limitado o acesso a materiais classificados.

Posturas e ambiguidade

Durante um evento no Salão Oval em que Trump e Hegseth anunciaram um novo contrato de defesa para o novo caça da Força Aérea, ambos negaram a versão do Times, classificando-a como “uma história falsa”. Hegseth insistiu que a visita foi informal e se concentrou em temas relacionados à eficiência governamental.

Trump afirmou ter tomado conhecimento da suposta sessão confidencial por meio do jornal e disse que ligou para seu chefe de gabinete e para Hegseth para confirmar a veracidade da informação, que foi descartada como absurda. 

Ainda assim, Trump aproveitou para destacar que, devido aos negócios de Musk na China, seria imprudente compartilhar com ele planos militares sensíveis — marcando um dos limites mais claros até agora na relação entre o magnata e a administração.

Falta de clareza

Em outro artigo publicado posteriormente, o New York Times relatou que há zonas cinzentas em torno da reunião. Nem Musk nem Hegseth responderam às perguntas da imprensa ao final do encontro. Quando questionado por um repórter do Times sobre o conteúdo da conversa, Hegseth respondeu de forma seca: “Por que eu te contaria isso?”, antes de se retirar sem dar esclarecimentos.

Um alto funcionário do setor de defesa, sob condição de anonimato, afirmou que Musk participou da reunião para oferecer, e não receber, uma sessão informativa focada em política industrial e no compartilhamento de experiências ligadas às suas empresas. Trump, por sua vez, reforçou essa versão mais tarde, afirmando que a visita estava relacionada aos esforços de Musk para reduzir o tamanho do governo e melhorar a eficiência nos gastos públicos.

Tensão após a polêmica

Seja como for, o Departamento de Defesa dos Estados Unidos iniciou uma investigação formal — que inclui o uso de testes com polígrafo — para identificar os responsáveis pelos vazamentos internos surgidos após as acusações envolvendo a recente visita de Musk ao Pentágono.

A decisão foi tomada após o próprio Musk exigir publicamente, por meio de sua rede social X, o julgamento de funcionários do Pentágono que estariam divulgando “informações maliciosamente falsas” sobre sua relação com a instituição militar.

Implicações penais

Diante da magnitude do escândalo, Joe Kasper, chefe de gabinete de Hegseth, anunciou o início imediato de uma investigação para identificar vazamentos não autorizados de informações sobre segurança nacional. Em um memorando emitido em 21 de março, Kasper informou que a investigação irá reunir um registro completo das divulgações indevidas dentro do Departamento de Defesa e propor recomendações para melhorar os protocolos de confidencialidade.

Os responsáveis serão encaminhados às autoridades penais competentes para serem processados. Essa ofensiva investigativa, que inclui interrogatórios com detector de mentiras, representa uma resposta inédita dentro da estrutura de defesa dos Estados Unidos e reflete o nível de preocupação causado pelo vazamento.

Tesla e China

O fato é que a polêmica está longe de ser trivial e diz respeito ao delicado equilíbrio de Musk entre as duas potências. A Tesla, montadora de Musk, tem sido uma das maiores beneficiadas pelas políticas chinesas de incentivo aos veículos elétricos. Sua fábrica em Xangai é a maior e mais produtiva da empresa, representando cerca de 37% das vendas globais da montadora.

Para operar plenamente no país, a Tesla recebeu incentivos, aprovações regulatórias e acesso privilegiado ao mercado, incluindo autorizações para implementar tecnologia de condução autônoma.

SpaceX e China

Paralelamente, a SpaceX e seu sistema de satélites Starlink — essenciais para operações do Departamento de Defesa — colocam Musk em uma posição dupla: como fornecedor estratégico para a segurança nacional dos EUA e como empresário com interesses fortes em uma potência rival.

Essa dissonância se torna ainda mais evidente diante de declarações anteriores do próprio Musk, que já descreveu Taiwan como “uma parte integrante da China” e sugeriu um modelo de reintegração semelhante ao de Hong Kong — ideias bem recebidas em Pequim, mas duramente criticadas por Taipei e por autoridades americanas.

Preocupação no Congresso

No fim de semana, o Washington Post informou que tanto legisladores republicanos quanto democratas manifestaram preocupações sobre como o Partido Comunista Chinês poderia explorar a influência de Musk na política dos Estados Unidos. Michael Sobolik, especialista do Hudson Institute, também destacou que o empresário já replicou publicamente mensagens favoráveis a Pequim sobre temas sensíveis como Taiwan e os uigures, o que poderia torná-lo um ativo estratégico para a China.

O congressista John Moolenaar, presidente do Comitê Especial sobre a China, alertou que o regime chinês buscará explorar qualquer oportunidade de influência. Já seu colega democrata, Raja Krishnamoorthi, acrescentou que Pequim poderia enxergar Musk como uma forma de contornar figuras mais duras dentro do governo Trump, como o secretário de Estado Marco Rubio ou o assessor de segurança nacional Mike Waltz.

Ir além do imediato

Mais do que confirmar ou não a existência da suposta sessão informativa e o possível acesso de Musk a um plano bélico, o caso se transformou em um verdadeiro teste sobre os limites entre transparência, segurança nacional e a colaboração público-privada em setores altamente sensíveis.

Se quisermos ir além, o episódio também ilustra as crescentes fricções entre a busca por eficiência e a necessidade de preservar a confidencialidade — especialmente em um momento em que figuras como Musk desafiam as categorias tradicionais de empresário, assessor e contratante do Estado.

A investigação interna definirá o tom sobre como o Pentágono lidará com tensões semelhantes no futuro, mas também abrirá um debate mais profundo sobre quem deve ter acesso (e sob quais condições) aos segredos mais bem guardados da nação.

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