O grande dilema da Coreia do Sul: em um país cada vez mais idoso, envelhecer é uma condenação à pobreza

A Human Rights Watch acaba de lançar um alerta: o país está “punindo” os trabalhadores mais velhos

Envelhecer na Coreia do Sul traz grandes problemas financeiros / Imagem: Hunter Leonard (Unsplash)
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Victor Bianchin

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Victor Bianchin é jornalista.

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G. Young Soo fez tudo razoavelmente bem na vida. Pelo menos na vida profissional. Aos 23 anos, começou a trabalhar como escriturário em uma companhia de seguros e, ao longo das últimas três décadas e meia, foi subindo pouco a pouco no organograma, passando pelos cargos de diretor de filial e chefe de equipe em vários departamentos. Agora, aos 59 anos, seu futuro é bastante sombrio: seu salário vem sendo reduzido nos últimos cinco anos até chegar à metade do que recebia aos 55 e, em alguns meses, ao completar 60 anos, terá que deixar seu cargo.

Não é que Young Soo tenha irritado seus chefes ou se acomodado após 36 anos de leal serviço. Não. Sua situação laboral se explica de maneira simples e direta pelas complexas (e polêmicas) leis de emprego da Coreia do Sul baseadas na idade.

Young Soo é um pseudônimo, mas sua história é real e reflete a situação em que se encontram muitos trabalhadores sul-coreanos prestes a completar 60 anos. Sabemos disso porque ele é um dos 34 empregados do país entrevistados pela Human Rights Watch (HRW) para conhecer o panorama laboral (e de vida) que enfrentam. Todos compartilham várias características: têm entre 42 e 72 anos, trabalham em Seul (alguns no setor público, outros em empresas privadas) e terão que lidar com as políticas trabalhistas do país.

Seus relatos geralmente seguem a mesma linha do de G. Young Soo: após anos (ou até décadas) de trabalho, suas perspectivas profissionais, financeiras e de vida vão se tornando sombrias à medida que se aproximam dos 60 anos. Outro caso semelhante é o de Young Sook, também de 59 anos, que trabalha como enfermeira há quase quatro décadas. Aos 60, terá que se aposentar, sem opção, uma perspectiva que lhe causa profunda angústia. “Não me imagino fora desta organização”, confessou ela durante a conversa com a HRW. “Seria como estar sozinha em um caminho cheio de curvas”.

Imagem: Beth Macdonald (Unsplash) Imagem: Beth Macdonald (Unsplash)

Punidos por envelhecer

Esses relatos fazem parte de um relatório de 72 páginas no qual a HRW alerta para as graves consequências que as leis e políticas trabalhistas da Coreia têm para a população mais velha. O documento é tão crítico que já deixa claro seu tom no próprio título: “Punidos por envelhecer”. Pode parecer exagerado, mas a análise aponta que a legislação do país acaba condenando seus idosos a uma perda gradual de poder aquisitivo, empregos de pior qualidade, baixos salários e saúde mental abalada.

“As leis e políticas da Coreia do Sul para proteger os trabalhadores mais velhos contra a discriminação por idade, na verdade, têm o efeito contrário”, alerta Bridget Sleap, pesquisadora da HRW. “Negam aos trabalhadores mais velhos a oportunidade de continuar em seus empregos principais, pagam menos a eles e os obrigam a aceitar trabalhos precários e com salários mais baixos, tudo simplesmente por causa da idade. O governo deveria parar de punir os trabalhadores apenas por envelhecer”. Em seu relatório, há uma ideia que aparece em várias ocasiões: “eliminar o etarismo”.

O relatório da HRW não expõe apenas casos concretos. Também apresenta alguns números e percentuais que ajudam a compreender melhor a situação vivida pelos idosos no país. Segundo os dados levantados, em 2023, a taxa de pobreza relativa entre pessoas com 65 anos ou mais era de 38%, o pior resultado entre os países que compõem a OCDE. Na prática, isso significa que quase quatro em cada dez idosos possuem 50% (ou menos) da renda média nacional, que em 2023 estava em aproximadamente 28.200 dólares (R$ 156,4 mil) por ano.

A HRW cita outro estudo que revela que o salário mensal médio dos trabalhadores com 60 anos ou mais em 2024 era 29% inferior ao de seus colegas mais jovens. Esse percentual não surpreende muito se considerarmos dois fatores. O primeiro é que existe no país um sistema que permite reduzir os salários nos anos que antecedem a aposentadoria. O segundo é que 69% das pessoas com mais de 60 anos que estavam trabalhando em 2023 exerciam empregos precários. Se considerarmos a população sul-coreana em geral, esse índice não chega a 40%.

Um problema com três pilares

A grande pergunta é: por que tantos idosos acabam nessa situação? Embora existam muitos fatores envolvidos, para a HRW há três pontos principais, que são três leis ou políticas trabalhistas baseadas na idade. A primeira é a idade de aposentadoria obrigatória. A legislação sul-coreana a fixa a partir dos 60 anos, o que significa que as empresas podem obrigar um funcionário a se aposentar ao atingir essa idade, sem precisar apresentar outros motivos.

São as empresas que decidem se estabelecem ou não uma idade de aposentadoria, mas a prática é muito comum tanto no setor público quanto nas empresas privadas, principalmente nas organizações com mais de 300 empregados. Segundo o Ministério do Trabalho da Coreia do Sul, 95% das companhias com esse perfil adotam essa possibilidade, e geralmente fixam a aposentadoria forçada aos 60 anos. Entre os pequenos negócios, isso não é tão comum.

No país, já se abriu o debate sobre a necessidade de repensar (e aumentar) a idade de aposentadoria. De fato, o presidente Lee Jae Myung se comprometeu a elevá-la gradualmente para 65 anos, mas o estudo da HRW sugere que a questão central não é quando os idosos se aposentam, e sim como se aposentam.

A regra do salário máximo

A outra norma citada pela HRW é o sistema de “salário máximo”, que marca os últimos anos dos trabalhadores mais velhos em suas empresas. “Permite aos empregadores reduzir os salários dos trabalhadores durante os três ou cinco anos anteriores à aposentadoria obrigatória”, explica a organização, que lembra que essa prática “causa danos financeiros e psicológicos” aos afetados, além de “se basear em um estereótipo discriminatório”. Isso sem contar seu impacto nas contribuições previdenciárias, nas indenizações por demissão e nos pagamentos de seguro-desemprego.

E por que esse sistema é aplicado? A ideia inicial era reduzir o custo de contratar pessoal mais velho em um modelo salarial baseado em idade e, ao mesmo tempo, favorecer a criação de empregos para os jovens e a produtividade das empresas. Na prática, resulta em casos como o de Young Soo, o funcionário de 59 anos da companhia de seguros entrevistado pela HRW: quando completou 56 anos, seus chefes reduziram seu salário em 20% e, desde então, vêm cortando mais 10% a cada ano. O resultado é que agora, às vésperas dos 60 anos, ele recebe mais ou menos a metade (para ser preciso, 52%) do que ganhava aos 55 anos.

O problema volta a ser o mesmo da aposentadoria obrigatória. As empresas decidem se aplicam ou não o sistema, mas ele é muito difundido. “Embora não seja obrigatório para as empresas, o governo incentivou a adoção do sistema de salário máximo. Em 2022, 51% das empresas privadas com aposentadoria obrigatória e mais de 300 empregados e 21% das que têm menos de 300 funcionários já haviam adotado o sistema”, afirma a HRW. A situação se agrava com o cenário que muitos idosos enfrentam ao se aposentar.

E agora, o que fazer?

Essa é a pergunta que muitos aposentados sul-coreanos fazem a si mesmos quando são obrigados a empacotar suas coisas e deixar a empresa onde trabalharam por anos, décadas ou até mais. E essa é a terceira reclamação da HRW: as políticas de reinserção no mercado de trabalho e os programas de seguridade social “insuficientes”. Quem se aposenta aos 60 anos tem direito a um benefício de desemprego de até 270 dias. E, em alguns casos, precisa esperar até cinco anos para acessar a Pensão Nacional de Velhice, ou “básica”, que só é paga a partir dos 65 anos.

O dado é curioso em um país cada vez mais envelhecido, mergulhado em uma grave crise de natalidade, e onde a expectativa de vida aumentou a ponto de 20% da população já ter completado 65 anos.

Qual o resultado? Muitas vezes, os idosos não têm outra opção a não ser aceitar empregos precários e mal remunerados, um cenário que, segundo a HRW, piora com os “programas de reinserção no trabalho”. “Os idosos que voltam a trabalhar se concentram em ocupações mal pagas, como vigilantes e cuidadores, que os jovens não querem”, critica a organização, que adverte como conclusão: “Essa segregação ocupacional por idade é uma forma de discriminação”.

Imagens | Hunter Leonard (Unsplash), Beth Macdonald (Unsplash)

Este texto foi traduzido/adaptado do site Xataka Espanha.

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