Com a guerra comercial iniciada pelos Estados Unidos, algumas fragilidades de Washington em cadeias de suprimentos cruciais para diversos setores estratégicos vieram à tona. Falamos, principalmente, daqueles minerais e terras raras que a China domina com mão de ferro no planeta.
Recentemente conhecemos uma das mais curiosas contradições desse cenário: os Estados Unidos mantiveram financiamento por anos para minas no Brasil e, ao buscar colher os frutos desse investimento, descobriram que a produção já havia sido vendida… para a China.
Talvez por isso essa nova descoberta possa mudar o jogo.
De poço tóxico a tesouro
A história foi contada esta semana pelo New York Times. À primeira vista, o Berkeley Pit, em Butte, Montana, parece um abismo ambiental aberto: um cratera de mineração abandonada desde 1982, preenchida com mais de 190 bilhões de litros de água altamente ácida e tóxica — resultado de drenagem das minas.
No entanto, sob essa superfície contaminada esconde-se um recurso inesperado: um coquetel mineral que pode transformar essa ameaça ecológica em uma mina estratégica de elementos de terras raras, fundamentais para tecnologias críticas de Washington, desde veículos elétricos até mísseis guiados.
Graças a avanços recentes em métodos de extração, cientistas e empresas americanas estão estudando como aproveitar esse resíduo líquido para obter neodímio, prasiodímio, zinco, cobalto, níquel e outros minerais-chave.
Com um único caça F‑35 exigindo cerca de 400 quilos de terras raras e a pressão geopolítica crescente para reduzir a dependência da China, o interesse em explorar esses recursos antes considerados inúteis disparou nos EUA.
A água como novo filão
Nas palavras de Peter Fiske, diretor da National Alliance for Water Innovation, “a água é o depósito do século 21”. Essa visão, antes marginal, vem ganhando força à medida que se multiplicam métodos para recuperar minerais dissolvidos em águas residuais industriais, salmouras de usinas de dessalinização e drenagens de minas.
Universidades como Indiana, Texas e West Virginia desenvolveram técnicas inovadoras que permitem separar terras raras dos resíduos líquidos por meio de membranas biomiméticas, permutadores iônicos ou extração por solventes.
O grupo do pesquisador Paul Ziemkiewicz, por exemplo, conseguiu converter lodos ácidos em concentrados de terras raras através de um processo de extração progressiva, já utilizado com sucesso em minas de carvão na Virgínia Ocidental e agora testado em Butte — onde o volume e a concentração mineral do Berkeley Pit poderiam viabilizar a produção de até 40 toneladas por ano.

Geopolítica do drenagem ácida
Esse renascimento da mineração líquida não ocorre em um vácuo. Em um cenário global em que a China controla a maior parte do fornecimento de terras raras e pode manipular preços ou restringir exportações em retaliação a sanções comerciais, descobrir fontes domésticas viáveis tornou-se prioridade de segurança nacional para os EUA.
Segundo o New York Times, o Departamento de Defesa já financiou boa parte das pesquisas em Butte, e está previsto um aporte de 75 milhões de dólares para construir uma planta de concentração que permita purificar os metais extraídos e ampliar a produção.
Além disso, países como Groenlândia e Ucrânia foram identificados por Washington como regiões-chave por suas reservas minerais, e há planos em curso para extrair minérios do leito marinho, inclusive em águas internacionais.
Reciclagem e soberania
Vale lembrar: os elementos de terras raras formam um grupo de 17 metais, divididos entre pesados e leves, que não são exatamente escassos, mas cuja extração é complexa devido à sua dispersão geológica — o que os torna recursos estratégicos — e à especialização chinesa nesse setor.
A contaminação gerada pela drenagem ácida de minas, que afetou milhares de quilômetros de rios nos EUA, agora se mostra também uma oportunidade. Ao oxidar e solubilizar minerais como zinco e cobre, essas águas permitem recuperá-los, desde que se conte com tecnologia adequada.
O foco atual prioriza soluções limpas e sustentáveis, como o uso de “nanosponges” (esponjas moleculares capazes de capturar metais específicos) ou eletrólise movida por energias renováveis para produzir magnésio a partir de salmouras de dessalinização. Essas iniciativas, segundo o Times, são apoiadas por startups como Magrathea Metals e Lilac Solutions.
Tais tecnologias possibilitam extrair recursos sem recorrer à mineração a céu aberto, reduzindo o impacto ambiental e aumentando a eficiência.
Berkeley Pit como símbolo
Dessa forma, a história do Berkeley Pit — de poço tóxico que envenenou milhares de aves migratórias a potencial mina do futuro — simboliza a transformação que a indústria extrativa enfrenta em um mundo que demanda mais minerais, mas tolera menos destruição ambiental.
Durante décadas, os metais dissolvidos em suas águas representaram apenas uma ameaça. Hoje, representam uma promessa. Se o modelo desenvolvido em Butte for replicado em outros locais contaminados dos EUA, poder-se-ia suprir boa parte das aproximadamente 1.400 toneladas anuais de terras raras que o país necessita somente para a defesa.
E, considerando que a demanda global por terras raras deve crescer até 600% nas próximas décadas, não há dúvida de que essa promissora “lata de lixo líquida” de ontem pode se transformar na riqueza estratégica de hoje.
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