O problema da Ucrânia não é apenas a falta de armas; os EUA têm um "botão" para desativar a artilharia já enviada

A tecnologia militar e o armamento de hoje estão tão ligados ao software que pode utilizar até mesmo um F-35

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PH Mota

Redator

Jornalista há 15 anos, teve uma infância analógica cada vez mais conquistada pelos charmes das novas tecnologias. Do videocassete ao streaming, do Windows 3.1 aos celulares cada vez menores.

Entre a discussão de planos da Europa para defender a Ucrânia, o velho continente chegou a falar em rearmamento após anos de "paz". Tudo isso dá uma ideia da extensão da dependência do arsenal e da inteligência dos EUA. Não é só que Washington está considerando pausar a ajuda, mas também poderia paralisar a que já foi enviada.

Problema da dependência

A retirada abrupta do apoio militar dos EUA à Ucrânia acendeu alarmes entre aliados europeus, que estão começando a questionar sua forte dependência de armas, software e manutenção dos EUA.

O Financial Times relatou em uma extensa reportagem que a situação lembra a queda do Afeganistão em 2021, quando a retirada dos EUA tornou os helicópteros Black Hawk do exército afegão inúteis, antecipando a queda de Cabul em questão de meses. Agora, com Trump redefinindo a política externa em direção a uma postura mais conciliatória em relação à Rússia, os países europeus que basearam sua defesa na tecnologia militar dos EUA enfrentam uma vulnerabilidade estrutural que pode comprometer sua segurança a longo prazo. Mas há algo maior.

O "botão de desligar"

Por muito tempo, mas agora mais do que nunca, tem-se falado desses supostos "interruptores" capazes de desligar a tecnologia militar que reina nos conflitos de hoje. De fato, uma das maiores preocupações é a possibilidade de os Estados Unidos desabilitarem remotamente sistemas militares avançados usando software, muitos dos quais já foram enviados para a Ucrânia. Um exemplo: um computador que precisa de atualização remota pode se tornar inútil se os dados não chegarem.

Embora não haja evidências conclusivas, Richard Aboulafia, analista especialista da AeroDynamic Advisory, disse ao Financial Times que "se algo pode ser feito com código, então existe". No entanto, a dependência europeia vai além de um possível "kill switch", pois, sem peças de reposição, atualizações de software e suporte logístico, esse "botão" já está em muitas armas que ficariam inoperantes em questão de semanas.

Nível de dependência

A história nos leva ao grid de largada. A dependência militar da Europa em relação aos Estados Unidos aumentou drasticamente nos últimos anos. Entre 2019 e 2023, 55% das importações europeias de defesa vieram de Washington, em comparação com 35% no período de cinco anos anterior, de acordo com o Instituto Internacional de Pesquisa para a Paz de Estocolmo (SIPRI).

O ex-secretário de Defesa do Reino Unido, Sir Ben Wallace, alertou que, se ainda estivesse no cargo, sua prioridade seria avaliar as dependências militares da Europa e determinar se uma mudança estratégica é necessária para reduzir a vulnerabilidade às decisões de Washington.

Exemplo do F-35

O caça F-35 é o jato de combate mais avançado do mundo, mas também um símbolo claro da vulnerabilidade europeia. O motivo? A aeronave depende inteiramente do suporte logístico dos EUA, incluindo atualizações de software, planejamento de missão e bancos de dados de ameaças por meio do Autonomic Logistics Information System (ALIS), que está sendo substituído pelo Operational Data Integrated Network (ODIN). Esse "botão" de que estávamos falando está lá, e mesmo que a Europa possua fisicamente o jato de combate, ele pode se tornar obsoleto.

Nações em apuros

Países como a Dinamarca, que consideraram implantar F-35s na Groenlândia, podem enfrentar um problema crítico: se os Estados Unidos decidirem retirar seu acesso à infraestrutura de suporte, essas aeronaves se tornariam inoperantes. Mesmo antes do governo Trump, a Grã-Bretanha, um dos principais compradores do F-35, exigia "soberania operacional" sobre seus caças, obtendo certas concessões em 2006.

No entanto, nenhum aliado tem acesso ao código-fonte do sistema, o que mantém Washington em controle total. A Suíça tentou tranquilizar sua população alegando que sua frota de F-35 pode operar "autonomamente", mas também admitiu que nenhum caça ocidental pode funcionar totalmente sem os sistemas de comunicação segura e navegação por satélite dos EUA.

A arma nuclear britânica é outro exemplo. O sistema de dissuasão nuclear do Reino Unido também está intimamente ligado aos Estados Unidos. Como? Seus submarinos estratégicos usam mísseis balísticos Trident, que são alugados de Washington e exigem manutenção periódica na base naval em King's Bay, Geórgia.

Embora os analistas considerem improvável que os Estados Unidos cortem a manutenção do Trident, Nick Cunningham, analista da Agency Partners, sustenta que o sistema continua sendo "um ponto crítico de vulnerabilidade para o Reino Unido". Alguns especialistas sugerem que Londres deve avaliar alternativas, como os mísseis franceses M51, já que a França e o Reino Unido são as únicas potências nucleares da Europa.

Inteligência e vigilância, também "hipotecadas"

Se elevarmos o quadro, o escopo do poder americano é amplificado. Grande parte das capacidades de inteligência, vigilância e reconhecimento (ISR) da Europa dependem da colaboração com os Estados Unidos. Países como o Reino Unido, a Noruega e a Alemanha usam aviões espiões e drones dos EUA que exigem autorização de Washington para serem armados ou implantados em missões ofensivas.

Por exemplo, a Itália e a França enfrentaram um longo processo de aprovação para equipar seus drones Reaper com mísseis, demonstrando como os Estados Unidos mantêm o controle sobre o armamento de seus aliados. Mais: o verdadeiro medo na Europa não é apenas a possível perda de sistemas individuais, mas a possibilidade de que os Estados Unidos retirem o apoio logístico e o compartilhamento de inteligência no meio de um conflito, o que afetaria a operabilidade de caças, helicópteros Chinook e Apache, bem como sistemas de defesa aérea como o Patriot.

Início de uma ruptura na aliança ocidental

A crescente desconfiança na confiabilidade da América como um parceiro estratégico pode ter consequências devastadoras para a indústria de defesa dos EUA. Por décadas, Washington usou a promessa de proteção militar e cooperação para garantir a venda de suas armas, mas a recente decisão de retirar o apoio à Ucrânia lançou dúvidas sobre a sustentabilidade dessa promessa.

Há dados que já corroboram isso. As ações das principais empresas de defesa dos EUA caíram, enquanto os fabricantes europeus cresceram após a reeleição de Trump. Embora os contratos ainda não tenham sido cancelados, espera-se que a Europa comece a diversificar seus fornecedores e fortalecer sua própria indústria de defesa.

Em última análise, embora o relacionamento transatlântico não desapareça imediatamente, eventos recentes sugerem que a Europa será forçada a diversificar sua segurança e reduzir sua dependência de Washington, marcando um potencial ponto de virada no equilíbrio de poder dentro da OTAN.

Imagem | RawPixel

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