Há tantos turistas por metro quadrado que o Japão teve uma ideia: enchê-los de impostos

O Japão passou a considerar o turismo uma atividade que deve arcar com os custos de manutenção do ecossistema urbano que consome

Turistas no Japão / Imagem: Pexels
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Victor Bianchin

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Victor Bianchin

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Victor Bianchin é jornalista.

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O Japão vem quebrando todos os seus recordes de chegada de visitantes enquanto sofre, de forma visível, os efeitos da saturação turística. A resposta do país começou de forma emblemática em Kyoto: se não pode evitar as multidões, o governo avalia que, pelo menos, pode forçá-las a ajudar a cobrir os custos sociais, físicos e administrativos que sua presença massiva está gerando.

Um boom que não cabe

As chegadas de estrangeiros ultrapassaram os 30 milhões nos nove primeiros meses de 2025, com recordes mensais a cada mês do ano e 3,26 milhões de turistas em setembro, o que vem exercendo uma pressão constante sobre cidades frágeis como Kyoto e sobre locais icônicos como o Monte Fuji, onde a “densidade humana” causa engarrafamentos na montanha, acúmulo de lixo e riscos à segurança.

A demanda está sobrecarregando as infraestruturas e obrigando a adiar atividades cotidianas — desde escolas que evitam excursões até restrições de circulação em bairros como Gion — porque o uso turístico está deslocando funções cívicas básicas e alterando o equilíbrio entre residentes e visitantes.

A solução? O governo autorizou Kyoto a cobrar, a partir de março de 2026, até 10.000 ienes (R$ 352) por pessoa e por noite em hotéis de luxo (bem acima do limite anterior de 1.000 ienes, ou R$ 35), dentro de um sistema escalonado que mantém tarifas baixas para viajantes com orçamento limitado e transfere a carga para os segmentos de maior poder aquisitivo.

A medida dobrará a receita municipal proveniente da hospedagem, de 5,2 para 12,6 bilhões de ienes (R$ 444 milhões), e é apresentada explicitamente como uma forma de fazer com que os turistas “financiem parte do custo das contramedidas”, em vez de custear o ajuste apenas com impostos locais. Para o viajante de luxo, o custo adicional é pequeno em relação ao preço total da viagem, mas, para a cidade, representa um fluxo estável que transforma a pressão turística em um recurso para administrá-la.

Os fundos serão destinados a reforçar os pontos de ruptura do sistema urbano: ampliar frotas e corredores de transporte para redistribuir os fluxos e financiar serviços multilíngues, campanhas de etiqueta e controle de comportamento, além de alimentar um esforço mais amplo de preservação da paisagem cultural que torna Kyoto atraente.

A cidade, na verdade, já aplica medidas disciplinares — multas em ruas privadas de Gion, fechamentos seletivos, placas explícitas indicando que não se trata de “um parque temático” —, mas precisa financiar a longo prazo a resiliência dessa convivência. A lógica não é tanto punir a demanda, mas transformá-la em investimento naquilo que não deve ser destruído.

O laboratório asiático

Na realidade, o que acontece em Kyoto não é uma peculiaridade local, mas um prenúncio do que já enfrentam (ou enfrentarão) as capitais do turismo global quando o crescimento deixa de gerar bem-estar líquido e começa a destruí-lo: congestionamento que degrada a vida urbana, ressentimento social, deslocamento residencial, deterioração do patrimônio e uma governança fiscal sobrecarregada por um fenômeno cuja elasticidade de demanda é muito maior que sua elasticidade de carga.

O Japão, ao formalizar uma resposta fiscal explícita (não para expulsar turistas, mas para forçar uma responsabilidade financeira), está estabelecendo um precedente normativo para outras cidades presas no mesmo problema: o turismo não pode continuar sendo financiado por aqueles que o sofrem, deve ser financiado por aqueles que o causam — ou acabará corroendo o próprio patrimônio que justifica sua existência.

O boom turístico persiste (21,5 milhões de visitantes na primeira metade de 2025 e 56 milhões de visitantes em Kyoto em 2024), com sinais de que a demanda não diminuirá por conta própria. Por isso, o imposto não busca desestimular, mas sim corrigir desequilíbrios.

Uma mudança que reconhece um ponto estrutural: em destinos maduros, o turismo deixa de ser uma espécie de “presente líquido” e passa a ser uma atividade. Com isso, assume o papel de pagar pela manutenção do ecossistema urbano que consome.

Imagem | Pexels

Este texto foi traduzido/adaptado do site Xataka Espanha.


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