Existem métodos muito mais eficientes para criar uma "fumaça branca", mas o Vaticano se recusa a adotá-los por um motivo: o Espírito Santo

Apesar dos avanços e das sugestões de implementar luzes, alertas digitais ou sistemas eletrônicos, o Vaticano insiste em manter o ritual exatamente como ele é

Fumaça Vaticano é tradicional. Imagem: blues_brother, Wikimedia
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Sofia Bedeschi

Redatora

Jornalista com mais de 5 anos de experiência no ramo digital. Entusiasta pela cultura pop, games e claro: tecnologia, principalmente com novas experiências incluídas na rotina. 

Em 26 de outubro de 1958, ocorreu uma das histórias mais curiosas envolvendo a fumaça que anuncia a escolha de um novo papa. Naquela manhã, uma fumaça claramente branca começou a sair da chaminé da Capela Sistina, e a multidão reunida na Praça de São Pedro explodiu em comemoração. No entanto, pouco depois, a fumaça escureceu, deixando os fiéis incrédulos. Esse momento de confusão destacou a necessidade de tornar o sinal mais claro e não depender exclusivamente da intervenção do Espírito Santo.

Entre o humano e o divino

Quando os cardeais entrarem hoje na Capela Sistina para iniciar o conclave, vão invocar o Espírito Santo com o cântico Veni Creator Spiritus, uma antiga oração que reflete a tensão entre a razão humana e o discernimento espiritual. Na teologia católica, o Espírito Santo é uma das três pessoas da Trindade e é visto como o verdadeiro guia desse processo.

Embora a escolha do papa envolva política, estratégia e relações humanas, também é apresentada como uma colaboração com o divino. Alguns descrevem essa presença como uma força silenciosa que orienta sem impor, como um "bom educador", nas palavras de Bento XVI, que inspira, mas não decide no lugar dos homens.

Essa essência ainda está presente no anúncio final com a fumaça branca. Uma coisa parece certa: a Igreja rejeita qualquer tentativa de tecnificar esse momento.

O conclave que confundiu a todos

A cena incomum mencionada no início aconteceu durante o conclave que escolheria o sucessor do papa Pio XII. Naquele dia, durante uma das votações, uma fumaça claramente branca saiu da chaminé da Capela Sistina. Habemus Papam, ou pelo menos era o que todos pensaram. A multidão reunida na Praça de São Pedro explodiu em alegria, os sinos da Basílica começaram a tocar e alguns meios de comunicação chegaram a noticiar que o novo papa havia sido escolhido.

No entanto, os minutos passaram, depois horas, e não houve nenhum anúncio oficial, nem a aparição do novo pontífice. Por fim, o Vaticano esclareceu que se tratava de um erro: a fumaça branca foi resultado de uma combustão incompleta ou de uma mistura mal calculada, e na verdade o consenso necessário para eleger o novo papa ainda não havia sido alcançado.

Esse momento de confusão deixou claro que alguns ajustes eram necessários – algo que o Vaticano corrigiu, em parte, ao longo do tempo e, a partir de 2005, com a introdução do repique dos sinos para confirmar a eleição do novo pontífice.

A linguagem da fumaça

Faz parte do ritual: toda vez que a Igreja Católica escolhe um novo papa, milhões de pessoas olham para a pequena chaminé no telhado da Capela Sistina à espera de um sinal – fumaça negra se não houve consenso, fumaça branca se o sucessor foi escolhido. O que parece um gesto simbólico simples é, na verdade, uma operação extremamente precisa, carregada de engenharia, química, simbolismo e tradição.

A queima das cédulas e o uso da fumaça como forma de comunicação remontam ao século XV, quando se buscou uma maneira de transmitir ao mundo o resultado da eleição sem quebrar o segredo do conclave. A imagem da fumaça subindo ao céu evoca antigos rituais religiosos e passagens bíblicas, onde a fumaça era vista como uma ponte espiritual entre o humano e o divino.

Preparativos e tecnologia

Após a morte do papa Francisco, aos 88 anos, o Vaticano confirmou que o conclave começaria hoje, 7 de maio, com uma missa especial na Basílica de São Pedro, seguida pelas votações secretas na Capela Sistina. Ali, foram instalados dois fornos: um para queimar as cédulas e outro para gerar a fumaça visível ao público do lado de fora.

Esses fornos estão conectados por um duto metálico, cuidadosamente montado e inserido por técnicos que trabalham sem danificar a estrutura renascentista da capela. Cada junção do tubo é selada, testes de fumaça são realizados previamente e bombeiros ficam de prontidão para intervir caso ocorra algum problema técnico. Tudo precisa funcionar sem margem para erros – um vazamento ou um sinal ambíguo transformaria o ato litúrgico em uma crise global transmitida ao vivo.

O exemplo de 1958 ainda não foi esquecido.

A química da mensagem

Para garantir que o mundo veja com clareza o que acontece dentro do conclave, a fumaça não é gerada apenas pela queima das cédulas. Como explicou a BBC, são usados compostos químicos embalados e ativados eletronicamente. Para produzir a fumaça negra, a mistura inclui perclorato de potássio, antraceno e enxofre. Já para a fumaça branca, são utilizados clorato de potássio, lactose e resina de pinho.

No passado, chegaram a usar palha úmida e seca para esse propósito, mas os resultados eram inconsistentes.

Desde 2005, o Vaticano também faz soar os sinos da Basílica de São Pedro para confirmar, tanto visual quanto sonoramente, que um novo pontífice foi eleito, evitando confusões como as que marcaram outros conclaves.

Resistência à modernização

A verdade é que o sistema poderia ser muito mais simples, caso a Igreja quisesse aproveitar algumas das novas tecnologias. No entanto, apesar dos avanços e das sugestões de implementar luzes coloridas, alertas digitais ou sistemas eletrônicos mais modernos, o Vaticano insiste em manter o ritual exatamente como ele é.

Do ponto de vista deles, não se trata apenas de comunicar uma notícia, mas de preservar uma experiência litúrgica com profunda carga teológica. Como explicou a historiadora Candida Moss, a fumaça não apenas informa – ela envolve os fiéis no mistério, fazendo-os se sentirem parte de um momento transcendental na vida da Igreja.

A escolha de um papa não é apenas um evento administrativo, mas uma cerimônia carregada de séculos de fé, solenidade e continuidade espiritual.

E, claro, com o Espírito Santo como guia de todo o processo.

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