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Empresa realiza a maior inovação em papel higiênico dos últimos 100 anos e as vendas estão disparando — segredo está na linha pontilhada

A história da nova borda ondulada do Charmin é, em essência, uma metáfora da obsessão moderna pela perfeição técnica no cotidiano

Um novo formato nas folhas de papel higiênico foi suficiente para aumentar as vendas em 5% / Imagem: Erik Mclean, Catlemur
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Victor Bianchin

Redator

Victor Bianchin é jornalista.

Há muitos setores onde o potencial de melhoria é vasto e outros onde se diria que já está quase tudo inventado. Vamos tomar o mercado de papel higiênico como exemplo. Desde sua invenção há mais de um século, poucas coisas mudaram.

E, de repente, algo parece ter mudado.

Revolução silenciosa

Durante décadas, o papel higiênico foi um dos produtos mais imutáveis do lar moderno, uma rotina tão natural quanto invisível. No entanto, sob essa aparente imobilidade, existe uma feroz corrida tecnológica: as grandes corporações passaram anos aperfeiçoando esse item essencial através de pequenas, mas sofisticadas inovações.

Como reportou recentemente o Washington Post, a mais recente inovação é provavelmente a mais importante e vem da fabricante Charmin, que, após cinco anos de pesquisa, substituiu a clássica linha reta de perfuração por uma ondulada, no que a empresa chama de Smooth Tear, uma solução que busca resolver um problema tão mundano quanto universal: o maldito rasgo desigual das folhas. A empresa afirma que essa pequena mudança gerou um aumento de 5% nos seus negócios e um “nível significativo de prazer” entre os usuários, demonstrando que até o gesto mais banal pode ser otimizado até o menor detalhe.

Engenharia aplicada ao toque

Longe de ser uma frivolidade, a inovação no papel higiênico é fruto de processos de desenvolvimento altamente complexos. O Post conta que, nos laboratórios da Procter & Gamble e Kimberly-Clark, engenheiros e designers testaram centenas de protótipos avaliando parâmetros como resistência, textura e a capacidade de resposta à água e ao uso em diferentes posições do porta-rolos, considerando até mesmo se o usuário é destro ou canhoto.

As curvas do novo padrão não são ornamentais, mas o resultado de cálculos milimétricos sobre força, ângulo de tração e adaptação ao processo industrial, onde o desafio técnico consiste em criar uma linha de ruptura não linear que seja eficaz para o consumidor, mas suficientemente robusta para sobreviver ao ritmo vertiginoso das máquinas de produção. Para termos uma ideia, a engenharia por trás desse humilde produto inclui cilindros rotatórios, dentes sincronizados e biguás estrategicamente posicionados, uma engrenagem de precisão que o consumidor jamais vê.

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Papel, cultura e higiene

O papel higiênico moderno é uma invenção surpreendentemente recente na história humana. Embora o papel exista há mais de dois milênios (graças à antiga China), seu uso para fins íntimos só se popularizou no final do século 19. Antes disso, recorria-se ao que estivesse à mão: folhas, panos, espigas de milho, até mesmo catálogos de lojas.

Foi Joseph Gayetty quem, em 1857, introduziu o conceito de papel “medicado”, embora tenha sido ridicularizado pelo pudor da época. O verdadeiro marco aconteceu em 1890, quando os irmãos Scott popularizaram o rolo perfurado, trazendo mais conforto e higiene ao ritual diário. Desde então, cada avanço (por menor que pareça) tem sido resultado de uma busca persistente por equilíbrio entre funcionalidade, limpeza e experiência (inclusive sensorial), elevando gradualmente o produto cotidiano a uma forma sutil de design aplicado.

Inovação sem ruptura

Barry Kudrowitz, especialista em design de produtos, definia esse tipo de mudança como “inovação incremental”: melhorias minúsculas que não alteram a essência do objeto, mas otimizam seu uso dentro do que o consumidor já conhece e aceita. Em contraste com soluções mais disruptivas, como o bidê (que ainda gera resistências culturais), o papel higiênico ondulado se encaixa perfeitamente nos hábitos do consumidor e encontra sua força justamente na familiaridade.

É uma mudança que não exige reaprendizado, mas oferece um benefício tangível — e é justamente por isso que é tão eficaz. Em um mercado saturado, onde quase todos os consumidores já escolheram sua marca de papel higiênico, a única maneira de crescer realmente é convencer os clientes de que a nova versão faz o papel um pouco melhor, um pouco mais suave ou um pouco mais inteligente.

Melhorar o prático

A história da nova borda ondulada do Charmin é, em essência, uma metáfora da obsessão moderna pela perfeição técnica no cotidiano. Não se trata de reinventar o papel higiênico, mas de torná-lo um produto digno de atenção científica, comercial e cultural. A arte de encontrar complexidade no simples, de aplicar tecnologia de alta precisão a um objeto cujo destino, ironicamente, é desaparecer instantaneamente.

Em um mundo onde quase tudo o essencial já está inventado, a ideia é certeira: refinar o ordinário, reinventar o mínimo e nos lembrar que até mesmo o gesto mais anódino (aquele de puxar um rolo pendurado ao lado da pia e ele sair “perfeito”) pode ser o fruto de anos de engenharia, design e esforço.

Imagem | Erik Mclean, Catlemur

Este texto foi traduzido/adaptado do site Xataka Espanha.

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