No dia 2 de setembro, começou uma história cujo desfecho ainda parece distante. Naquele dia, os EUA afirmaram ter abatido uma lancha com drogas na costa da Venezuela. Desde então, os níveis de tensão aumentaram continuamente, com a chegada constante de uma frota de Washington à região e uma ideia inquietante pairando no ar sobre a verdadeira dimensão do movimento de Washington.
E, diante disso, a Venezuela acaba de apresentar um simulador para sua marinha: um videogame russo.
A história vem do Business Insider. Na Academia Militar do Exército Bolivariano da Venezuela, em Caracas, foram recentemente divulgadas imagens de jovens cadetes aprendendo a operar drones kamikazes por meio de simuladores de voo. As máquinas, equipadas com joysticks e telas planas, pretendiam demonstrar o salto tecnológico do exército venezuelano em matéria de guerra não tripulada.
No entanto, as imagens do vídeo causaram surpresa internacional: o software utilizado é praticamente idêntico (se não o mesmo) ao videogame russo FPV Kamikaze Drone, desenvolvido pela empresa HFM Games e vendido na plataforma Steam por apenas 3,99 dólares (R$ 13,79 no Brasil).
A interface, os gráficos, a física do motor e até o menu de seleção de missões são exatamente os mesmos. De Moscou, o próprio cofundador do estúdio, Aleksei Kolotilov, confirmou que nunca houve contato com o governo venezuelano nem qualquer adaptação do programa para fins militares.
“Nosso jogo foi criado apenas para entretenimento civil”, afirmou, ironizando que, se Caracas quisesse agradecer pela “colaboração involuntária”, poderia “enviar alguns barris de petróleo” em troca do conserto de alguns erros do software.
O vídeo institucional, divulgado entre discursos patrióticos e slogans de lealdade, foi publicado justamente quando a tensão entre EUA e Venezuela está atingindo um dos pontos mais altos em anos, alimentando os temores de um confronto aberto.
Em outro material, o comandante do exército, general Johan Hernández Lárez, afirma solenemente que os jovens estão “prontos para destruir o inimigo”, enquanto um cadete mostra como seu drone virtual se lança contra um complexo de edifícios — em uma simulação idêntica às missões do jogo russo. Em outra gravação divulgada pela própria academia, uma apresentadora fardada agradece às Forças Armadas pelo “esforço conjunto” que permitiu adquirir os simuladores, enquanto dezenas de cadetes praticam em uma fileira de terminais com estética de fliperama.
Da Ucrânia a Caracas
Os drones FPV se tornaram uma ferramenta letal de baixo custo, popularizada pelo exército ucraniano e rapidamente adotada por potências e países em desenvolvimento. Diferentemente dos drones de reconhecimento, os FPV são controlados como se o operador estivesse dentro deles, o que permite ataques precisos a um custo reduzido.
Sua proliferação transformou os campos de batalha, democratizando a capacidade de causar dano. Na guerra da Ucrânia, os pilotos são treinados com programas digitais, mas também precisam demonstrar sua habilidade em testes reais antes de operar em combate. Exércitos de todo o mundo tomaram nota e, agora, até países sem tradição tecnológica, como a Venezuela, buscam adaptar o modelo com recursos limitados.
O uso de um videogame comercial como suposto simulador militar revela a paradoxal realidade da defesa venezuelana: um exército que exibe poder, mas depende de meios improvisados. Em um contexto de sanções internacionais, isolamento tecnológico e escassez de recursos, a adoção de um software civil russo para treinar oficiais torna-se tanto um gesto de propaganda quanto um símbolo de precariedade.
Diferentemente dos EUA e da própria Ucrânia, onde o aprendizado é complementado com práticas reais, o exército venezuelano parece recorrer a soluções de baixo custo para projetar uma imagem de modernização.
No entanto, além da ironia de um videogame barato se transformar em ferramenta militar, o episódio reflete outra tendência global: o enfraquecimento da fronteira entre o entretenimento digital e a guerra real, em que a preparação de soldados e a simulação de combates podem depender, literalmente, de um software criado para jogar.
Imagem | Academia Militar do Exército Bolivariano
Este texto foi traduzido/adaptado do site Xataka Espanha.
Ver 0 Comentários