Em 1978, engenheiros chineses visitaram duas empresas-chave dos EUA; Na volta, começaram um império: o das terras raras

No século 21, as guerras comerciais não são travadas apenas com tarifas, mas com minerais invisíveis que sustentam o esqueleto tecnológico do mundo moderno

O Ocidente demorou para dar importância às terras raras, enquanto a China presta atenção há décadas / Imagem: IToldYa, Christophe Meneboeuf, Reinhard Jahn
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Victor Bianchin

Redator
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Victor Bianchin é jornalista.

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Com um simples anúncio, a China desencadeou uma forma inédita de guerra comercial, uma em que não havia tarifas nem taxas, mas sim a manipulação de um recurso estratégico que o Ocidente nunca soube diversificar a tempo. Em poucas semanas, a ameaça de escassez desses materiais de terras raras e ímãs provocou alertas de paralisação em setores que movimentam as economias do mundo. Todo o planeta busca desesperadamente aquilo que Pequim domina com punho de ferro.

E tudo começa com o plástico.

As origens estratégicas

A suspensão parcial das exportações de terras raras por parte da China colocou governos de todo o mundo em alerta, mas, para a liderança de Pequim, essas matérias-primas são um assunto prioritário há quase meio século. Diferentemente de outras potências, que começaram a valorizar seu uso de forma mais tardia, o interesse da China pelos elementos de terras raras remonta ao fim dos anos setenta, quando o país tentava superar as deficiências estruturais herdadas do modelo industrial maoísta.

Sob a liderança de Deng Xiaoping, que sucedeu Mao Tsé-Tung em 1978, a China tomou consciência do valor estratégico desses elementos, não apenas por sua utilidade industrial, mas também por seu potencial militar e tecnológico. Enquanto Mao priorizou a quantidade de ferro e aço, sem dar muita atenção à sua qualidade, Deng impulsionou uma modernização mais técnica e focada. Seu braço executor foi Fang Yi, um tecnocrata de confiança que assumiu como vice-primeiro-ministro e chefe da Comissão Estatal de Ciência e Tecnologia, de onde reorganizou a estratégia nacional para uma exploração mais sofisticada dos recursos minerais.

O ponto de inflexão ocorreu na cidade de Baotou, na Mongólia Interior, onde se encontrava o maior depósito de minério de ferro da China, essencial para a produção bélica sob Mao. Fang e sua equipe de cientistas tomaram uma decisão crítica: aproveitar também as importantes concentrações de terras raras contidas no depósito. Ali abundavam elementos leves como o cério, útil para fabricar ferro dúctil e vidro, e o lantânio, essencial no refino de petróleo.

Além disso, havia reservas médias de samário, empregado em ímãs resistentes ao calor, necessários para motores de aviões supersônicos e mísseis. Em 1978, enquanto as relações com os Estados Unidos melhoravam, Fang já articulava publicamente o valor transversal das terras raras em indústrias que iam desde cerâmica e aço até eletrônica e defesa. Nesse mesmo ano, levou engenheiros chineses para visitar fábricas da Lockheed Martin e McDonnell Douglas nos Estados Unidos, uma viagem que marcaria a convergência entre ambição industrial e aprendizado tecnológico.

Uma revolução química

E aqui está uma das chaves desse domínio. O verdadeiro avanço chegou quando os engenheiros chineses conseguiram desenvolver uma técnica de separação química muito mais barata do que a utilizada nos Estados Unidos ou na URSS. Enquanto o Ocidente dependia de complexas instalações de aço inoxidável e ácido nítrico caro, a China optou por empregar materiais plásticos e ácido clorídrico, muito mais econômicos.

O uso do plástico não é algo trivial. Essa inovação, somada a normas ambientais frouxas, permitiu à China inundar o mercado com terras raras a baixo custo, provocando o fechamento progressivo das refinarias no Ocidente. Na verdade, o processo de desindustrialização fora da China consolidou o monopólio asiático. Ao mesmo tempo, geólogos chineses descobriram que o país abrigava aproximadamente metade das reservas globais conhecidas de terras raras, incluindo depósitos excepcionais de terras raras pesadas no centro-sul do país, fundamentais para tecnologias de ímãs em veículos elétricos, equipamentos médicos e outras aplicações críticas.

China

O New York Times lembra que, nos anos 90 e 2000, os engenheiros chineses aperfeiçoaram o refino de terras raras pesadas, elevando a China a uma posição de domínio quase total nesse segmento. A célebre frase de Deng Xiaoping em 1992 (“O Oriente Médio tem petróleo, a China tem terras raras”) sintetiza a visão estratégica que já havia se materializado. Essa política não ficou ao acaso: Deng e Fang formaram a geração seguinte de líderes para continuar com esse enfoque.

Um deles foi Wen Jiabao, geólogo especializado em terras raras, formado durante os anos turbulentos da Revolução Cultural. Wen, que ascendeu a vice-primeiro-ministro em 1998 e a primeiro-ministro em 2003, declarou durante uma visita à Europa em 2010 que quase nada relacionado às terras raras ocorria sem sua intervenção direta. Essa continuidade na elite política garantiu que a exploração, o refino e o controle do mercado global de terras raras se tornassem pilares centrais da estratégia econômica e geopolítica da China.

A ofensiva econômica

E assim chegamos ao momento atual. O Financial Times reporta que, até agora, as sanções econômicas chinesas haviam sido notoriamente imprecisas, baseadas em boicotes difusos ou bloqueios administrativos que raramente atingiam seus objetivos políticos. Nem a Coreia do Sul retirou seu escudo antimísseis após as represálias comerciais, nem a Austrália mudou sua política externa quando a China deixou de comprar seu vinho.

Mesmo as sanções contra empresas de defesa dos Estados Unidos foram mais um gesto simbólico do que uma ferramenta coercitiva real. Mas as novas medidas sobre terras raras marcam um ponto de inflexão: são específicas, mensuráveis e afetam diretamente setores industriais-chave. A ameaça já não é abstrata; traduz-se em fábricas à beira do fechamento, cadeias de suprimentos bloqueadas e governos ocidentais forçados a reconsiderar suas posturas comerciais.

A eficácia dessa ofensiva reside no aprimoramento do arsenal normativo chinês. Pequim desenvolveu um marco legal que não apenas restringe exportações, mas exige que empresas estrangeiras evitem o uso de minerais chineses em produtos destinados à indústria de defesa dos Estados Unidos. Essa cláusula extraterritorial foi desenhada com inteligência: em vez de uma confrontação direta, busca gerar pressão entre terceiros países, empurrando-os a agir como intermediários diplomáticos que instem Washington a suavizar suas políticas comerciais.

A queda simultânea das exportações para Japão, Coreia do Sul e Índia demonstra que a China está disposta a aceitar custos econômicos limitados para reforçar sua posição estratégica e diluir a narrativa de confronto direto.

O Ocidente chega tarde

Assim, o mais revelador não é a manobra chinesa em si, mas a falta de preparação do Ocidente. Desde o primeiro corte de exportações para o Japão em 2011, governos e indústrias sabiam que Pequim possuía um domínio quase absoluto das terras raras e que essa vantagem poderia ser utilizada algum dia como instrumento de pressão.

No entanto, as respostas foram tímidas: a Coreia do Sul aumentou suas reservas, o Japão financiou algumas minas na Austrália, e a União Europeia redigiu estratégias que nunca chegaram a ser financiadas. Enquanto isso, a maioria dos fabricantes mantinha estoques mínimos de ímãs de terras raras, sem uma política de substituição ou reserva estratégica, apesar da crescente retórica sobre a resiliência industrial.

Esse descuido transformou um risco calculado em uma vulnerabilidade aberta.

Embora alguns governos agora clamem por produção alternativa e a Comissão Europeia leve ímãs às cúpulas do G7 como símbolo de urgência, a realidade é que a estrutura do mercado de terras raras não pode ser substituída da noite para o dia. Ao contrário de produtos de alta tecnologia, como turbinas ou chips, os óxidos de terras raras são mais difíceis de rastrear e restringir, mas também mais difíceis de substituir em quantidade e pureza.

A China não apenas extrai a maioria desses elementos, como domina o processo químico de separação e purificação, o que lhe confere uma vantagem técnica que não se resolve com simples investimentos. Mesmo que outros países aumentem sua extração, o gargalo está na capacidade de refino, que continua concentrada dentro de suas fronteiras.

Implicações globais

Em resumo, diferentemente dos países que reagiram tarde à importância estratégica desses elementos, a China vem há décadas desenhando e executando uma política nacional coerente para as terras raras, baseada em uma visão industrial integrada, investimento estatal em P&D, domínio químico do refino e controle logístico do fornecimento.

Essa combinação de planejamento técnico, apoio político ao mais alto nível e, claro, tolerância ambiental, permitiu que conquistasse o mercado mundial de terras raras sem disparar um único tiro. A suspensão parcial das exportações não é um ato isolado, mas a culminação lógica de uma política traçada desde os tempos de Deng Xiaoping, em que a vantagem tecnológica foi construída pacientemente com ciência aplicada, disciplina estratégica e visão de longo prazo.

E, enquanto isso, o resto do mundo, agora apenas consciente dessa dependência crítica, enfrenta a tarefa titânica de reconstruir uma cadeia de suprimentos que claramente nunca deveria ter abandonado.

Imagem | IToldYa, Christophe Meneboeuf, Reinhard Jahn

Este texto foi traduzido/adaptado do site Xataka Espanha.

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