Uma mentira mudou para sempre a história dos videogames. Passamos horas em The Last of Us: Parte I com Joel e Ellie em sua jornada por um Estados Unidos pós-apocalíptico. Quando finalmente chegaram ao destino, Joel escolheu salvar o próprio mundo. Essa decisão não apenas gerou um intenso debate moral entre os fãs (que persiste até hoje), como também estabeleceu as bases emocionais para a sequência. O final foi polêmico, mas o primeiro jogo foi amplamente aclamado.
Aviso de spoilers: este artigo contém spoilers de The Last of Us: Parte II
The Last of Us: Parte II trouxe uma mudança radical: vemos Joel morrer após apenas duas horas de jogo, para depois sermos forçados a jogar com sua assassina, Abby. Isso gerou um impacto emocional que dividiu os fãs como nunca antes — muitos se sentiram traídos pela Naughty Dog.
A polêmica continua viva. As discussões ressurgiram com a segunda temporada da série da HBO, assim como algumas escolhas de elenco. É difícil não sentir uma relação de amor e ódio com essa franquia. E reconheço que The Last of Us: Parte II não é perfeito — há aspectos que eu mudaria. No entanto, há algo que muitos ainda não compreendem sobre esse jogo: ele não foi criado para ser aproveitado, mas para ser experimentado.

Um preço a pagar
Há momentos de beleza nessa sequência. Momentos que aquecem o coração e nos dão esperança. Quando Ellie canta “Take on Me” para Dina, vemos um amor refletido em olhares e sorrisos sutis. Duas pessoas que se apoiam incondicionalmente. É surpreendente que essa cena seja opcional, já que é uma das melhores do jogo.
Rever Joel e Ellie no museu nos lembra por que nos apaixonamos por esses personagens. É tão emocionante quanto para Ellie colocar um capacete e fingir estar no espaço, imaginando um lugar em que todos os problemas desaparecem. Mas é inevitável que esses raios de luz sejam ofuscados pela escuridão, porque no mundo de The Last of Us: Parte II, ações têm consequências. Halley Gross, corroteirista do jogo, explica bem:
“Ellie é uma personagem com quem você pode se identificar. Achei que ela seria o veículo perfeito para questionar a ideia de que a violência não tem preço, porque na verdade ela tem. Vai destruí-la.”
Gross tem toda razão. Nosso mundo talvez não esteja em ruínas, mas o preço da violência é o mesmo de The Last of Us: Parte II. Por mais que doa ver nossos personagens favoritos sofrerem, não podemos mudar o destino deles.

Mesmo que Joel tenha dado o presente perfeito a Ellie no museu, sua mentira acabaria fragmentando a relação dos dois. Ele estava condenado a morrer desde o momento em que mentiu. O próprio Troy Baker, ator que interpreta Joel nos jogos, reconheceu que o personagem havia cruzado limites morais e, por isso, merecia aquele destino. Nem todos concordam — para muitos, sua morte foi insuportável.
Um rosto que antes sorria mergulha na loucura quando Ellie mata Nora. É como se alguém que conhecíamos há anos se tornasse irreconhecível. O vazio da casa quando Ellie volta para Dina contrasta com a música que ela costumava cantar. Incapaz de tocar violão, somos invadidos por melancolia e nostalgia. Ninguém queria que Ellie enfrentasse o que mais temia: a solidão. Mas só podemos assistir, impotentes, enquanto suas decisões a destroem, numa experiência dilacerante.
A origem da empatia

Quando começamos a segunda metade do jogo jogando com Abby, nos perguntamos: por que deveríamos nos importar com essa personagem, a assassina de Joel? A cada passo dado, sentíamos um nó no estômago: estávamos no controle de alguém que aprendemos a odiar. Mas o objetivo dos criadores nunca foi nos fazer gostar dela.
Abby não é uma personagem perfeita. Quando consegue sua vingança contra Joel, não demonstra nenhuma satisfação. Em seu olhar, percebemos um passado que ainda a assombra — um passado que ela só conseguirá superar com compaixão, não com violência. Salvar Lev é um passo crucial em sua busca por redenção, e nos remete à forma como Joel e Ellie se protegiam em um mundo despedaçado.
Mas isso não basta. Sua humanidade — com raiva, dúvidas e compaixão — é posta verdadeiramente à prova na sequência mais angustiante que já vivi em um videogame: o confronto com Ellie no teatro.

Enquanto eu descia as escadas para chegar até Ellie, tudo que eu queria era que Abby desse meia-volta. Eu não teria que lutar contra ela, certo? Mas aí The Last of Us: Parte II me deixou em choque. Pela primeira vez, larguei o controle. O que eu não compreendia era que essa era a única forma de desenvolver empatia, de ver Abby como o que ela realmente é: uma pessoa humana como eu e você, por mais difícil que fosse aceitar.
The Last of Us: Parte II não é satisfatório — mas é real
Eu sei, isso parece absurdo. E entendo. Não é fácil estar prestes a matar seu personagem favorito. Também me custou apertar o botão “quadrado” e me passou pela cabeça deixar Ellie me matar. Mas tudo fez sentido no clímax do conflito. Quando Abby está prestes a matar Dina, entendi por que fomos obrigados a participar dessa luta perturbadora: para ver a redenção tomando forma, guiada pela voz familiar de Lev.
The Last of Us: Parte II não é satisfatório, mas é real. Não podemos impor nossos desejos aos personagens, pois são eles que tomam decisões — mesmo que essas escolhas levem ao triunfo ou à destruição. Seja Ellie priorizando a vingança em vez de Dina, seja Abby repetindo o ciclo de violência após a morte de seus amigos.
E, ao mesmo tempo, o jogo nos fala sobre como funciona a própria vida. Isso também está presente em The Last of Us: Parte I, que nos mostra como uma pessoa pode se tornar nossa salvação. A primeira parte mostra apenas um lado da moeda. Aceitamos os erros dos personagens porque os amamos. Já a sequência nos obriga a encarar suas imperfeições, mesmo contra a nossa vontade — porque é nelas que nasce a empatia.
Abby e Ellie não são apenas personagens. São espelhos da nossa própria humanidade. Tentam ser algo mais do que a destruição que carregam.
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