Durante um dos períodos mais tensos do atual governo norte-americano, com o Congresso travado e o orçamento congelado, Donald Trump voltou a criar polêmica. Sem recursos oficiais para pagar o salário de mais de um milhão de militares, o presidente revelou que um “grande patriota” havia feito uma doação de US$ 130 milhões ao governo dos Estados Unidos para garantir que os soldados continuassem recebendo. O nome, porém, ele não quis revelar: “Ele não quer publicidade. Prefere que seu nome não seja mencionado, o que é bem incomum no mundo de onde venho”, disse Trump a bordo do Air Force One.
Mas o segredo não durou muito. Fontes próximas ao governo confirmaram que o doador anônimo é Timothy Mellon, bilionário recluso, herdeiro do império bancário Mellon e figura central entre os grandes financiadores da campanha de Trump. Apesar de manter um perfil público quase invisível, Mellon é conhecido por suas generosas (e controversas) contribuições políticas — e por ideias que o colocam entre os nomes mais influentes da nova direita americana.
Herdeiro “ex-liberal”
Neto de Andrew W. Mellon, que foi secretário do Tesouro durante o governo de Herbert Hoover, Timothy Mellon acumulou fortuna investindo em ferrovias e empresas de transporte. Hoje, vive em Wyoming e evita aparições públicas, mas é considerado um dos principais financiadores individuais da política norte-americana. Só em 2024, ele doou US$ 50 milhões a um comitê pró-Trump, uma das maiores contribuições já registradas.
Timothy Mellon em 1981.
A relação entre os dois se estreitou nos últimos anos. Mellon, que se descreve como um “ex-liberal desiludido”, tornou-se um dos pilares financeiros da campanha republicana desde a eleição de 2016. A doação mais recente, feita em meio ao shutdown do governo, foi aceita pelo Pentágono sob a justificativa de “autoridade geral de aceitação de doações” — uma brecha legal que permite que o Departamento de Defesa receba contribuições privadas para despesas específicas.
Mesmo assim, especialistas já alertam para um possível conflito com o Antideficiency Act, que proíbe o uso de dinheiro privado para cobrir despesas públicas sem aprovação do Congresso. “É uma situação inédita e arriscada”, comentou um porta-voz do Congresso (via NY Times), citando que o gesto de Mellon, embora patriótico, levanta dúvidas sobre até que ponto cidadãos bilionários podem substituir o Estado em suas funções essenciais.
Doador polêmico e multifacetado
Apesar da lealdade a Trump, Mellon também financiou outras figuras políticas. Ele contribuiu com milhões para a candidatura de Robert F. Kennedy Jr., adversário independente na eleição de 2024 (e hoje Secretário de Saúde de Trump), e para o grupo Children’s Health Defense, conhecido por posições antivacinas. Em uma mistura de pragmatismo e provocação, Mellon já afirmou em entrevista que doa “para quem quiser, por qualquer motivo”.
Mellon em uma de suas raras aparições mais recentes.
O bilionário também carrega uma bagagem controversa. Em seu livro autobiográfico de 2015, publicado de forma independente, Mellon descreveu programas sociais norte-americanos como “escravidão moderna” e fez comentários racistas sobre a população negra dos EUA — trechos que renderam forte repercussão quando vieram à tona anos depois. Ainda assim, ele continuou aumentando sua influência no cenário político e empresarial, inclusive lançando em 2024 uma nova obra sobre sua trajetória à frente da Pan Am Systems, conglomerado que inclui empresas de aviação e transporte ferroviário.
Enquanto os Estados Unidos ainda enfrentam o impacto do congelamento orçamentário — com cerca de 670 mil funcionários federais afastados e outros 730 mil trabalhando sem receber, o gesto de Mellon divide opiniões. Para Trump, trata-se de um exemplo de patriotismo e fé no país. Para críticos, é o retrato de uma democracia onde a generosidade de poucos bilionários começa a substituir o dever coletivo do Estado.
O episódio reacende o debate sobre até que ponto a dependência de doações privadas pode distorcer o equilíbrio entre poder público e interesses individuais, mesmo com o atual presidente negando qualquer problema.
Crédito de imagens: Andrew Harnik/Getty Images, AP Photo e Azat.TV
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