A França precisa cortar 40 bilhões de euros e decidiu começar por algo sagrado: os feriados

Eliminação dos feriados é medida aparentemente técnica que atinge questões sensíveis

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PH Mota

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Jornalista há 15 anos, teve uma infância analógica cada vez mais conquistada pelos charmes das novas tecnologias. Do videocassete ao streaming, do Windows 3.1 aos celulares cada vez menores.

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Na França, há oficialmente 11 feriados nacionais por ano, todos estabelecidos pelo Code du travail (Código do Trabalho). Acontece que os franceses tiveram uma ideia para reanimar sua combalida economia: começar a retirar os feriados do calendário.

Fim da festa

O primeiro-ministro francês François Bayrou apresentou uma das propostas orçamentárias mais radicais e politicamente arriscadas das últimas décadas na França: congelamento dos gastos públicos, cortes em pensões e benefícios sociais, abolição de dois feriados nacionais e aplicação de uma nova "contribuição de solidariedade" sobre grandes fortunas.

Seu objetivo: impedir que o país sucumba sob o peso de uma dívida pública que, neste ano, consumirá 62 bilhões de euros apenas em juros — um montante equivalente aos gastos combinados com defesa e educação. Em uma declaração que definiu como "o momento da verdade", Bayrou advertiu que a França corre o risco de cair em uma crise da dívida semelhante à da Grécia em 2008 se não agir com cautela, e enviou uma mensagem ao público: "Nos tornamos viciados em gastos públicos. Todos devemos fazer um esforço."

O custo de dois feriados

Entre as medidas mais controversas está a abolição dos feriados de segunda-feira de Páscoa e de 8 de maio (Dia da Vitória), com os quais o Executivo estima economizar 4,2 bilhões de euros. A França tem 11 feriados nacionais, o que, segundo Bayrou, é um luxo incompatível com a atual situação fiscal. Em comparação, no Brasil há 14.

A medida busca aumentar o número de dias úteis como ferramenta indireta para estimular o crescimento econômico. Mas, além da economia imediata, a eliminação de datas com forte carga histórica e cultural representa um desafio político de alta tensão, que provocou rejeição transversal no Parlamento e na opinião pública. O ataque a símbolos da memória coletiva, em um país onde a história das guerras mundiais é um pilar da identidade nacional, transformou a proposta em um catalisador emocional.

Austeridade estrutural

O plano orçamentário de Bayrou inclui 44 bilhões de euros em aumentos de impostos e cortes. Entre eles, um congelamento generalizado dos gastos públicos até 2026 (o que chamou de année blanche), sem revisões automáticas pela inflação e sem aumentos em pensões ou programas de proteção social. Essa medida, sozinha, economizaria 7,1 bilhões de euros, o segundo maior componente do plano. Também propõe a racionalização dos gastos com saúde, incluindo medicamentos e licenças médicas, além da unificação de múltiplos benefícios sociais em um único pagamento com teto, voltado para as rendas mais baixas.

Bayrou também quer cortar os benefícios de desemprego e reduzir sua duração. As únicas rubricas isentas do ajuste são o serviço da dívida e o orçamento de defesa, que aumentará em 10% (6,5 bilhões de euros) por ordem direta de Emmanuel Macron, em resposta ao agravamento do cenário internacional e à ameaça russa.

Aposta política suicida

O Financial Times informou que, ciente da rejeição que seu plano provoca em todo o espectro político, Bayrou mostrou-se disposto a aplicar o Artigo 49.3 da Constituição, que permite aprovar o orçamento sem votação parlamentar, embora com o risco de enfrentar uma moção de censura. Esse foi o mesmo mecanismo que levou à queda de seu antecessor, Michel Barnier, em 2023, por tentar desvincular as pensões do índice de inflação — ideia que Bayrou agora retoma.

Marine Le Pen, líder do Reagrupamento Nacional, foi rápida em ameaçar censurá-lo caso não retire suas propostas, denunciando um plano que "ataca todos os franceses, trabalhadores e aposentados, em vez de pôr fim aos desperdícios". A esquerda considera o projeto uma "austeridade selvagem" que agrava a desigualdade e mantém intactos os privilégios do capital. O próprio Mujtaba Rahman, diretor para a Europa do grupo de análise Eurasia Group, definiu a proposta como "uma manobra kamikaze": uma medida sem chances de aprovação, mas que coloca a magnitude do problema fiscal em evidência.

Um país à beira do abismo

Com um déficit de 5,8% do PIB (o terceiro maior da UE, atrás apenas de Romênia e Polônia) e uma dívida que caminha para 115% do PIB, a França está em uma encruzilhada crítica. Se medidas corretivas não forem adotadas, o custo da dívida pode chegar a 100 bilhões de euros por ano até 2029, tornando-se o maior peso estrutural do orçamento.

Bayrou elaborou um plano de cinco anos para estabilizar a relação dívida/PIB, com a ambição de reduzir o déficit para 4,6% em 2026 e 3% em 2029. Mas analistas alertam que tais metas podem ser "inacessíveis", dado o enfraquecimento político do governo, a polarização parlamentar e a previsível resistência social. Nas palavras de Bayrou: "Conhecemos perfeitamente os riscos", mas ele sugere que desistir da tentativa seria ainda mais perigoso.

A França e um último ato

No caso da França, mais do que uma proposta econômica, o plano orçamentário de Bayrou assume a forma de uma espécie de declaração de princípios diante de um país fraturado. É a aposta de um político veterano que parece disposto a assumir o custo da impopularidade para enfrentar um problema estrutural que a maioria de seus predecessores evitou.

Uma coisa é certa: a aritmética parlamentar não está a seu favor. Seu governo depende de uma aliança centrista sem maioria própria, e suas únicas opções para aprovar o orçamento são o apoio ocasional da direita nacionalista ou da esquerda moderada — ambas atualmente contrárias ao projeto.

Enquanto isso, o resto da Europa observa a iniciativa francesa com atenção.

Imagem | Phillip Capper

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